Desejo de menos desigualdade é generalizado, também entre os portugueses

Estudo publicado em 2014 mostra que, apesar de subestimar fortemente o nível de desigualdade, a maior parte das pessoas gostaria de ver uma diferença menor entre os vencimentos dos CEO e dos trabalhadores.

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António Mexia é o CEO mais bem pago do PSI-20. Nuno Ferreira Santos

A conclusão é a mesma para todos os países analisados e Portugal não foge à regra: as pessoas gostariam de ver uma menor desigualdade entre os rendimentos de quem lidera uma empresa e o resto dos trabalhadores, confirmou um estudo publicado em 2014. E o mais surpreendente é que esse desejo existe apesar de a desigualdade que pensam que se verifica nas empresas estar muito abaixo daquilo que acontece na realidade.

O estudo divulgado pela Harvard Business School -How  Much (More) Should  CEOs  Make? A Universal Desire for More Equal Pay ("Quanto deviam ganhar mais os presidentes das empresas? Um desejo universal de maior igualdade") – investiga, através da realização de inquéritos, qual a opinião da população em 40 países sobre as diferenças de rendimento entre os CEO e os trabalhadores menos qualificados das empresas, nomeadamente qual a diferença que pensam que existe e qual a diferença que seria ideal. Os valores encontrados variam bastante de país para país, mas em todos os casos a diferença salarial considerada ideal ficou sempre abaixo da diferença que os inquiridos pensam que existe.

Em Portugal, esse desejo de maior igualdade também se verificou. Os inquiridos assumiram, em média, que os salários de quem lidera eram 14 vezes superiores aos dos restantes trabalhadores, e mostraram o desejo de reduzir essa diferença, estabelecendo como ideal que os CEO ganhassem apenas cinco vezes do que a média dos restantes trabalhadores.

Se este resultado já mostra que existe uma vontade de baixar as diferenças salariais, essa ideia sai ainda mais reforçada quando se sabe que o ponto de partida de desigualdade é afinal bastante mais alto do que as pessoas pensam. Em Portugal, a diferença salarial efectiva era em 2014, de acordo com o mesmo estudo, de 53 vezes, bem acima das 14 vezes que os inquiridos pensavam que se registava e ainda mais longe das cinco vezes que foram consideradas como ideais.

Analisando os resultados globais obtidos, Sorapop Kiatpongsan e Michael I. Norton, os autores do estudo, destacam o facto de este consenso em torno da ideia de que o diferencial de rendimentos deveria ser menor se mantém “independentemente da idade, educação, estatuto socio-económico, afiliação política e opiniões sobre desigualdade e salários” dos inquiridos.

Tudo indica que, desde 2014 até agora, aquilo que aconteceu em Portugal foi, pelo menos nas maiores empresas do país, um aumento da desigualdade de rendimento entre os CEO e os trabalhadores, à medida que a economia e os lucros das empresas recuperaram.

Uma vez que as empresas cotadas são obrigadas a tornar pública a informação sobre os salários e prémios auferidos pelos seus administradores e as despesas salariais com os trabalhadores, é possível, anualmente, saber como é que se comparam os dois indicadores. Uma recolha efectuada este ano pelo Dinheiro Vivo aos dados publicados pelas empresas que compõem o índice do PSI 20 mostra que, em média, os rendimentos auferidos pelos CEO foram, em 2017, 46 vezes mais altos do que a média dos trabalhadores das empresas.

Comparando estes números com 2014, o ano em que Portugal começou a recuperar da crise e os resultados das empresas nacionais iniciaram um período de melhoria, é possível perceber que os últimos anos têm sido de agravamento da desigualdade dentro das empresas. Em 2014, os salários dos CEO do PSI-20 eram 33 vezes maiores do que a média dos trabalhadores, bem menos do que as 46 vezes registadas em 2017. No total, os salários dos CEO cresceram 40,7%, ao passo que o custo médio com trabalhador suportado pela empresa até se reduziu ligeiramente.

Neste caso, ao contrário do que acontece no estudo, é utilizado o custo total que a empresa tem com o trabalhador e não apenas o seu rendimento, o que pode explicar os níveis de desigualdade menores logo no ponto de partida, em 2014.

Em 2017, a maior diferença registou-se na Jerónimo Martins, onde os cerca de 2 milhões de euros de vencimentos e prémios variáveis entregues a Pedro Soares dos Santos foram 155,2 vezes mais elevados do que os salários e prémios recebidos pelos trabalhadores do grupo. O CEO da Jerónimo Martins até nem foi, entre as empresas do PSI, o que que ganhou mais em 2017, mas o facto de no grupo — com um peso muito forte do retalho — a média salarial dos trabalhadores ser bastante baixa faz com que a diferença seja de longe a mais acentuada.

O CEO que recebeu mais foi António Mexia, com 2,29 milhões de euros, um valor que é 39,2 vezes maior do que a média dos trabalhadores da EDP.

Portugal, que nos indicadores de desigualdade de rendimentos totais (não unicamente entre os vencimentos praticados dentro das empresas) se situa sempre entre os países mais desiguais da Europa, fica aqui entre os países europeus que registaram diferenças de vencimentos mais baixas no estudo publicado pela Harvard Business School. Nas Dinamarca, Áustria e Polónia, as diferenças são menores do que em Portugal, mas na Alemanha, os CEO ganham 147 vezes mais, em Espanha 127 vezes e na França 104 vezes, bem acima das 53 vezes portuguesas.

Em relação ao nível de desigualdade desejado, os salários 5 vezes mais altos dos CEO defendidos pelos portugueses que foram inquiridos comparam, por exemplo, com as 6,7 vezes em França, as 6,3 vezes na Alemanha ou as três vezes em Espanha.

Fora da Europa, os números são particularmente impressionantes nos Estados Unidos. Aí, os inquiridos dizem que o ideal seria os CEO ganharem 6,7 vezes mais do que os trabalhadores não qualificados, mas apostam que a diferença praticada é de 30 vezes mais. A realidade, no entanto, é muito diferente: nos EUA, os CEO ganham 354 vezes mais do que os trabalhadores não qualificados.

O facto de o estudo ter sido realizado em 2014, quando os efeitos da crise financeira de 2008 eram ainda muito notórios, pode ter influenciado este desejo de redução das diferenças de rendimentos. A crise trouxe para o centro do debate, as práticas salariais extremamente generosas em relação aos gestores das instituições financeiras internacionais, que mesmo depois do colapso das entidades que lideravam e da necessidade de intervenção dos Estado para as salvar, tiveram direito a indemnizações e prémios avultados.

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