Ex-autarca prestou informação falsa a um tribunal

Joaquim Morão informou um tribunal de que a Direcção da Adraces concedera uma licença sem vencimento ao seu director executivo, que se encontra preso e tem o ordenado parcialmente arrestado. A acreditar nas actas da associação, a licença nunca foi concedida.

Foto
daniel rocha / PUBLICO

Um ofício dirigido a um tribunal lança novas dúvidas sobre a autenticidade da acta de uma recente reunião da direcção da Associação para o Desenvolvimento da Raia Centro-Sul (Adraces). De acordo com essa acta, datada de 6 de Agosto e enviado ao PÚBLICO no dia 24, a direcção da associação “deliberou por unanimidade indeferir” um pedido de licença sem vencimento apresentado pelo seu director executivo e ex-vice-presidente, António Realinho, que dois dias antes começara a cumprir uma pena de prisão por burla e falsificação. No mesmo dia, porém, o presidente da Adraces, Joaquim Morão, enviou um ofício a um tribunal em que diz exactamente o contrário do que está na acta.

O email enviado por Morão ao Juízo Central Criminal de Lisboa destinava-se a justificar o facto de, a partir de então, a Adraces deixar de remeter mensalmente ao tribunal a parcela do vencimento de Realinho que foi arrestada em 2013, no âmbito do processo em que o mesmo foi condenado a quatro anos e meio de prisão efectiva. No documento lê-se que o ex-director da associação requereu uma licença sem retribuição por dois anos, “tendo a direcção da instituição manifestado a sua concordância com a petição apresentada”.

Nesse mesmo dia Joaquim Morão fez também saber ao jornal local Reconquista que a licença pedida por Realinho tinha sido concedida. A notícia foi publicada no dia 9 e não teve qualquer desmentido. No dia 10, todavia, Morão disse a uma das vítimas das burlas de Realinho, Pedro Agapito, que ainda estava a aguardar um parecer jurídico para tomar uma decisão sobre o pedido de licença.

Pelo meio, gerou-se alguma polémica e embaraço nos meios socialistas locais e só no dia 24, em resposta a perguntas do PÚBLICO, é que a direcção da Adraces divulgou uma acta não numerada, datada de 6 de Agosto, na qual se afirma que, em reunião havida nesse dia, pelas 18h, foi deliberado, por unanimidade, indeferir o pedido de Realinho. A decisão, lê-se, foi tomada considerando, entre outras coisas, que “os fundamentos que presidiram à condenação do requerente são incompatíveis com a sua manutenção ao serviço da Adraces em regime de licença sem remuneração, atenta a necessidade de manutenção da relação de confiança entre empregador e trabalhador”.

O texto é assinado por Joaquim Morão e pelos vice-presidentes Armindo Jacinto e António Beites Soares, presidentes das câmaras de Idanha-a-Nova e Penamacor. Este último substituiu Realinho no lugar de vice-presidente da associação no final de Junho. De acordo com a direcção, o indeferimento da licença foi comunicado a António Realinho, o qual denunciou depois o contrato de trabalho que o ligava à Adraces desde 1993. A carta de denúncia, escrita em computador e datada de Louriçal do Campo, localidade onde Realinho reside habitualmente, tem data de 13 de Agosto, nove dias depois de o autor ter dado entrada na cadeia de Torres Novas.

Actas e contradições

A informação prestada ao tribunal por Joaquim Morão a 6 de Agosto poderia deixar em aberto a possibilidade de, em momento anterior às 11h18 desse dia - hora do envido do email – a direcção da Adraces ter aprovado a licença requerida. A consulta das actas das duas reuniões anteriores, realizadas a 30 de Maio e a 4 de Julho, mostra no entanto que esse assunto nem sequer foi abordado. Terá de se concluir, portanto, que a informação enviada ao tribunal é falsa.

Três semanas depois, a 28 de Agosto, sem sequer esclarecer que, afinal, a licença tinha sido indeferida em reunião alegadamente realizada horas depois do envio da anterior informação ao tribunal, a Adraces informou o juiz de que Realinho denunciara o contrato de trabalho no dia 13.

A tudo isto acresce que, em Março deste ano, questionado acerca da manutenção em funções de António Realinho, meses depois da confirmação da sua condenação pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Morão garantiu ao PÚBLICO que o assunto foi discutido em assembleia geral e que foi aprovada a sua permanência no lugar “até haver uma decisão definitiva” no processo.

No início do mês, todavia, a direcção da associação divulgou um comunicado em que garante que o assunto nunca foi discutido em assembleia geral. Dias antes, o PSD de Castelo Branco havia acusado o presidente da câmara local e presidente da assembleia geral da Adraces, o socialista Luís Correia, de ter pactuado nessa altura com a manutenção de Realinho à frente dos serviços da associação.

As actas das reuniões daquele órgão, agora facultadas ao PÚBLICO pela associação, confirmam a posição oficial da sua direcção: a fazer fé em tais documentos, não numerados, o assunto nunca foi discutido naquelas reuniões.

Sugerir correcção
Comentar