O melhor e o pior do mandato de Joana Marques Vidal
Violações do segredo de justiça são o contraponto do dinamismo do Ministério Público, assinalam especialistas do sector
Apesar de os balanços que têm vindo a ser feitos dos seis anos de mandato de Joana Marques Vidal à frente do Ministério Público terem na globalidade um pendor positivo, isso não impede algumas críticas pontuais ao desempenho da Procuradora-Geral da República.
Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça, que funciona na Universidade de Coimbra, salienta o dinamismo que ganhou o Ministério Público no combate à criminalidade mais complexa, seja ela a económico-financeira ou a cibercriminalidade, por exemplo. “O trabalho de reorganização [dos departamentos] que foi feito está a dar frutos”, observa a académica, admitindo que Joana Marques Vidal não seja a única responsável pelas transformações. “Se todo esse dinamismo se está a traduzir em acusações fortes é o que mais tarde iremos ver”, ressalva Conceição Gomes.
De negativo, a especialista assinala os problemas de violação do segredo de justiça – problema a que Joana Marques Vidal deu alguma importância no início do mandato, mas que havia mais tarde de desvalorizar. "Não é um crime que ponha em causa os alicerces do Estado de direito", declarou em Fevereiro passado, na Faculdade de Direito de Coimbra. Conceição Gomes entende que, estando a investigação dos processos judiciais a cargo do Ministério Público, deve ser este a resolver a questão – que, no seu entender, não se soluciona processando os órgãos de comunicação social conforme os casos vão sucedendo. “E não estou a dizer com isto que são os magistrados quem viola o segredo”, sublinha. “Mas há um debate que tem de ser feito”.
Também para o antigo ministro da Administração Interna Rui Pereira as violações do segredo de justiça foram um dos calcanhares de Aquiles da Procuradora-Geral da República. Isso e o facto de “não ter conseguido impedir que a autonomia individual [dos magistrados] continue a anular, quanto a vários despachos e matérias, a hierarquia do Ministério Público”. O que, no seu entender, não está sequer de acordo com aquilo que está previsto na Constituição, uma vez que os procuradores são obrigados a obedecer aos seus superiores hierárquicos.
Como pontos fortes, o mesmo jurista salienta o desempenho sóbrio da magistrada, que “não procurou protagonismo pessoal, não se multiplicando em declarações e entrevistas”. E que, acima de tudo, “transmitiu a ideia de que a acção penal pode atingir quaisquer pessoas, singulares e colectivas”, contribuindo assim para “reforçar a ideia de Estado de Direito democrático”.
A postura discreta é também elogiada pela secretária-geral da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Carla Oliveira: “Não andou a falar publicamente dos processos”. A juíza fala ainda, como ponto positivo, da autonomia de investigação que Joana Marques Vidal deu aos diferentes departamentos do Ministério Público. “Conseguiu manter-se distante dos focos de pressão”, acrescenta, reconhecendo-lhe imparcialidade e objectividade.
A associação sindical preferia, porém, que tivesse sido menos discreta no que respeita ao novo estatuto do Ministério Público, que está em fase de revisão há seis ou sete anos. “Uma vez que está em causa a autonomia do Ministério Público, gostaríamos de a ter visto assumir uma posição pública sobre o assunto”, refere Carla Oliveira.
Já o ex-bastonário dos advogados José Miguel Júdice recusa-se a apontar os pontos fortes e fracos do mandado, porque entende que tudo se joga num plano em que ficam de fora os méritos e deméritos da magistrada. “A questão é pura e simplesmente política. Existe um braço de ferro entre as duas pessoas mais importantes da sociedade portuguesa. Se Joana Marques Vidal sair da Procuradoria-Geral da República é António Costa quem manda. Se ficar, quem manda é Marcelo Rebelo de Sousa”.