MP propõe perda de mandato do presidente da Câmara de Castelo Branco
Processo motivado por contratos com uma empresa do pai e do sogro entrou esta semana no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco. Autarca é também visado num inquérito criminal no DIAP de Coimbra.
A alegação de que foi devido a um “lapso evidente e ostensivo” que assinou assinou dois contratos com o próprio pai pode não servir de grande coisa ao presidente da Câmara de Castelo Branco, Luis Correia. O Ministério Público (MP) não se mostrou convencido com as justificações do autarca e interpôs nesta terça-feira uma acção administrativa especial em que propõe a perda do seu mandato. O processo tem natureza urgente e corre no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, que poderá aceitar ou não a proposta da procuradora da República.
Na terça-feira, o portal Citius, do Ministério da Justiça, deu conta de que nesse mesmo dia tinha dado entrada no TAF uma acção administrativa (369/18.8BECTB) em que é autor o Ministério Público e réu Luis Manuel dos Santos Correia. Este processo visa a declaração judicial da perda de mandato do autarca, por violação da Lei da Tutela Administrativa das autarquias.
A abertura de um inquérito relacionado com as relações entre a câmara local e um conjunto de empresas detidas pelo pai, pelo sogro e outros familiares de Luis Correia já tinha sido confirmada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em Junho, duas semanas depois de o PÚBLICO ter revelado a existência de numerosos contratos entre a autarquia e aquelas sociedades.
Nessa altura, a PGR informou que tinha sido aberto um inquérito de natureza criminal no Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, relacionado com a notícia do PÚBLICO, adiantando apenas que o processo estava em segredo de justiça e não tinha arguidos constituídos. Este inquérito, porém, continua em curso, confirmou esta quinta-feira a PGR, e é independente do processo administrativo agora accionado em Castelo Branco.
A Lei da Tutela Administrativa estabelece que perdem o mandato “os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”. Neste caso, o impedimento legal resulta do facto de o Estatuto dos Eleitos Locais obrigar os autarcas a “não intervir em processo administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum”.
Foi esta regra que Luis Correia violou ao assinar, em nome do município a que preside desde 2013, dois contratos celebrados por ajuste directo com uma empresa de alumínios (Strualbi) que é propriedade do pai, do sogro e de um tio da mulher, a deputada e líder distrital do PS Hortense Martins. Em ambos os contratos, datados de 2014 e 2015 e com o valor total de 93.876, a empresa foi representada por Alfredo Correia, pai do autarca, e por outro sócio.
Em resposta ao PÚBLICO em Maio deste ano, Luis Coreia afirmou que se tratou de um “lapso evidente e ostensivo” e acrescentou que, o segundo daqueles contratos, apesar de continuar disponível no portal dos contratos públicos (base.gov), foi anulado depois de verificado o “lapso”. Meses antes, numa reunião do executivo municipal já se havia justificado: “Efectivamente assinei um contrato sem me aperceber que familiares meus estavam envolvidos (…) apercebi-me num segundo contrato e anulei-o imediatamente.”
Além dos dois contratos assinados pessoalmente pelo autarca e pelo pai, a Strualbi celebrou mais cinco ajustes directos com o município, desde 2009, no valor de 254.936. Quatro deles correspondem ao mandato 2009-2013, em que Luis Correia era vice-presidente da câmara então liderada por Joaquim Morão. O quinto data de 2016, no seu primeiro mandato como presidente, mas foi assinado pelo seu vice-presidente.
Independentemente de ter ou não havido intervenção do actual autarca nestes cinco contratos, eles são igualmente ilegais porque o Regime Jurídico das Incompatibilidades e Impedimentos dos titulares de cargos políticos impede que as empresas onde aqueles, ou os seus familiares mais próximos, detenham mais de 10% do capital celebrem contratos com o Estado.