Cinco fármacos detectados nos rios Ave e Sousa
Cientistas alertam para a falta de dados sobre ocorrência de fármacos no ambiente em Portugal.
Em análises a 120 amostras de águas superficiais dos rios Ave e Sousa realizadas durante quase um ano detectou-se a presença de cinco fármacos. São eles o anti-inflamatório diclofenaco; o filtro ultravioleta EHMC, usado em cosméticos e na indústria; e os antibióticos eritromicina, claritromicina e o azitromicina. Em ambos os rios, a concentração mais elevada foi de EHMC: 3930 nanogramas por litro de água no Sousa e 7552 no Ave.
Estes valores são preocupantes? “Ainda não existem valores regulamentados para estes compostos, que estão sob vigilância. Por isso, ainda não existem padrões de qualidade ambiental, ou seja, valores mínimos admissíveis”, refere Cláudia Ribeiro, da Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário (CESPU) e uma das autoras deste trabalho, que foi da responsabilidade de Ana Rita Ribeiro da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. “De qualquer maneira, foi calculado o risco de toxicidade por exposição ambiental destes compostos a organismos aquáticos que demonstrou ser elevado para o EHMC, assim como risco de toxicidade médio para o diclofenaco [que teve 1330 nanogramas por litro de água] no rio Sousa.”
Publicado online em Agosto na revista científica Science of the Total Environment, neste estudo analisaram-se 17 contaminantes (não só fármacos) da lista de vigilância a monitorizar da directiva 2013/39/UE sobre a política da água. Esta directiva – acto legislativo que fixa um objectivo geral que todos os países da União Europeia devem alcançar – estabelece a necessidade de monitorização de poluentes, incluindo fármacos, para que se combata a poluição da água. E tem uma lista de substâncias a monitorizar. Entretanto, o diclofenaco foi retirado dessa lista na última revisão da directiva em Junho.
Mas, além deste estudo, o que sabemos sobre a quantidade de fármacos no ambiente? “Infelizmente, em Portugal, a maioria dos dados sobre ocorrência de fármacos no ambiente ainda é relativamente escassa”, indica Cláudia Ribeiro. “Não temos tido financiamento externo para projectos nesta área e os trabalhos que temos feito [na CESPU] têm financiamento interno, ao contrário do que acontece noutros países e do que a directiva estabelece.”
Também Vanessa Fonseca, da Universidade de Lisboa, diz que há poucos estudos sobre este assunto. Como exemplo, refere que, em 2014, havia cerca de dez artigos científicos sobre a ocorrência de fármacos no meio marinho em Portugal. Agora já são cerca de 30. Segundo a cientista, a “persistência” em estudar este tema foi impulsionada pelo que aconteceu na Índia: entre 1992 e 2007, três espécies de abutres diminuíram entre 97,5% a 99,9%. Qual a causa? O diclofenaco usado no gado.
À caça de medicamentos no Douro
Em Portugal, sabemos que foram detectados 32 fármacos (nem todos na lista da directiva) no estuário do Tejo. Num artigo de revisão de 38 trabalhos publicados entre 1997 e 2014, referia-se que havia ibuprofeno (que também não está na lista) em sedimentos do rio Uíma. Já num estudo publicado em 2016 na publicação Reviews of Environmental Contamination and Toxicology se indicava – por exemplo – que havia ibuprofeno nas águas do rio Minho, Lima, Leça, Ave, Douro e na ria de Aveiro ou paracetamol no rio Leça. No mesmo trabalho também se refere que se detectaram 65 fármacos em cinco ETAR.
Em 2010, cientistas da Universidade do Algarve também anunciaram que descobriram vestígios de medicamentos na água dos rios Arade e Guadiana.
Além destes estudos sobre fármacos em sedimentos, organismos vivos e nas águas dos rios, Cláudia Ribeiro diz que há trabalhos sobre o uso dos efluentes das ETAR e a ocorrência de fármacos em plantas para alimentação. E destaca a exposição crónica que esses organismos podem ter: “Mesmo em baixas concentrações, a exposição continuada de certos poluentes pode causar toxicidade.”
Agora, uma equipa da CESPU vai procurar fármacos e drogas recreativas no rio Douro. Por exemplo, noutro estudo realizado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência a partir de amostras de águas residuais concluiu-se que a presença de cocaína aumentou nos esgotos de Lisboa e do Porto em 2017. O que se descobrirá nas águas do Douro?