Nunca abriram tão poucos cursos no ensino superior
Instituições submeteram 184 propostas para acreditação no último ano, em que a quebra aconteceu exclusivamente no sector politécnico. Limitações legais e redução da procura explicam a situação.
Pelo segundo ano consecutivo, as instituições de ensino superior estabeleceram um novo mínimo no número de novos cursos que pediram autorização para entrar em funcionamento. Em 2017, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), o organismo público responsável pelo processo, recebeu 184 propostas para a abertura de licenciaturas, mestrados e doutoramentos. No início da década eram mais de 400.
Em 2016, o número de pedidos de acreditação prévia de cursos superiores ficou abaixo dos 200 (foram 192). Este ano são 184, revela o relatório de actividades da A3ES, publicado na semana passada. A quebra é ligeira, mas serve para estabelecer um novo recorde negativo. É, porém, quando se olha para a evolução desde o início desta década que se percebe a dimensão do fenómeno: o número de pedidos para abertura de novos cursos no ano passado corresponde a menos de metade do número dos que foram submetidos a aprovação em 2010.
São vários os factores que ajudam a explicar esta menor apetência das instituições pela abertura de novos cursos. Desde a entrada em funcionamento da A3ES, em 2009, e de regras mais apertadas para a acreditação, universidades e politécnicos foram obrigados a fechar formações. Entre 2011 e 2015, encerraram mais de 2000.
Este período “obrigou a uma adaptação às exigências”, afirma o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos. Coincidentemente, as instituições foram também obrigadas a adaptar-se “às regras do mercado”. Isto é, à crise na procura, que levou a uma quebra do número de colocados no ensino superior a partir do início da década.
Os números do Perfil do Aluno relativos ao ano lectivo 2016/17, que foram publicados no final da semana passada, mostram taxas de ocupação dos cursos de formação inicial relativamente baixas nos politécnicos públicos (76,3%) e nas instituições privadas (49,9%, no caso das universidades; 28,5%, no caso dos politécnicos). Apenas as universidades públicas conseguem uma taxa superior a 90% (94,9%). Estes dados representam, ainda assim, uma evolução positiva, atendendo a que, nos três anos anteriores, o número de entradas pelo concurso de acesso voltou a subir.
A tendência inverteu-se, porém, este ano, e as previsões demográficas apontam no sentido de uma diminuição do número de estudantes no superior ao longo dos próximos anos.
Face a este cenário, às instituições não restou outro caminho que não fosse o que Pedro Dominguinhos designa por “consolidação da oferta”. “Hoje há uma atitude mais ponderada das instituições na submissão de novos cursos”, afirma. Tenta-se que as propostas apresentadas estejam “mais alinhadas com as estratégias das instituições”, explica o presidente do CCISP.
Muitos dos cursos que são apresentados como novos são, de resto, adaptações de cursos já existentes, alerta, por seu turno, a reitora da Universidade de Évora, Ana Costa Freitas. "A oferta que existe já é suficientemente diversificada e não temos alunos para mais cursos a não ser em casos muito pontuais", acrescenta a mesma responsável.
Parte desta equação são também as limitações impostas à abertura dos novos cursos – iniciadas pelo anterior Governo e mantidas pelo actual. O número de vagas disponíveis em cada instituição não pode aumentar em relação ao ano anterior. O total de licenciaturas também não pode ser maior. Ou seja, para abrirem novos cursos de 1.º ciclo, as instituições têm que fechar outro. A excepção são áreas que a tutela possa considerar prioritárias como tem acontecido, nos últimos dois anos, com a Física e as Tecnologias da Informação e Comunicação.
Apesar da tendência geral de diminuição do número de novos cursos no superior, os dados do último relatório de actividades da A3ES mostram que, no último ano, foi apenas entre os politécnicos que este indicador diminuiu (menos 21,4%). Foram apresentados apenas 66. Destes, a maioria são licenciaturas (42), mas a quebra acontece igualmente nas licenciaturas e nos mestrados.
As universidades apresentaram 118 cursos, mais 9% do que no ano anterior. O único ciclo de estudos em que as universidades reduziram o número de propostas são os doutoramentos – que ainda são um exclusivo das universidades. Foram propostos 27, menos 25% do que no ano passado.
São as universidades que conseguem também o melhor desempenho no processo de acreditação. Dos cursos submetidos para aprovação, 61% têm “luz verde” da A3ES, aos quais se juntam 7% que têm a aprovação “com condições” – anomalias que não são consideradas graves e que as instituições podem ainda resolver. Já nos politécnicos, 44,5% são aprovados e outros 15% aprovados “com condições”. Os restantes são rejeitados (40%, no caso dos politécnicos; 32%, nas universidades).
O relatório de actividades da A3ES sublinha ainda que, na nova área das terapias não convencionais – que inclui a acupunctura, a fitoterapia, a naturopatia, a quiroprática e a osteopatia – foram recebidos “apenas cinco pedidos” em 2017. Desde a entrada em vigor da lei que permitiu que estas áreas passassem a ser leccionadas no ensino superior, em 2013, foram aprovadas 15 licenciaturas em terapias não convencionais. A grande maioria destas (12) é de osteopatia. Os restantes três cursos com acreditação são de acupunctura.
Qual é o papel da A3ES?
Desde a sua criação, em 2009, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) é responsável pela acreditação dos cursos do ensino superior. Além da acreditação prévia de novos cursos que as instituições pretendam pôr em funcionamento, como é o caso dos 184 que foram apresentados ao longo do último ano pelas universidades e politécnicos, a agência pública fez também, ao longo dos últimos anos, a avaliação de todos os cursos que já existiam no momento em que entrou em funcionamento e uma monitorização regular das condições em que funcionam as formações existentes, sejam licenciaturas, mestrados e doutoramentos. Apenas os cursos técnicos superiores profissionais - formações de dois anos ministradas exclusivamente nos politécnicos - estão fora da sua alçada.
Qualquer que seja o curso em avaliação ou processo de acreditação, a agência avalia vários aspectos como o plano de estudos do curso, instalações físicas adequadas, nomeadamente em termos de laboratórios (quando se justifique) e bibliotecas, passando pela existência de um corpo docente próprio e qualificado. Um curso não acreditado não pode funcionar. E se já existir, deve fechar.