Igreja Católica acusada de esconder abusos sexuais na Holanda
Repete-se o padrão: os crimes são escondidos durante décadas e os acusados são apenas transferidos de diocese por ordem superior, sem enfrentar a justiça.
Durante 65 anos, entre 1945 e 2010, mais de metade dos responsáveis máximos pela Igreja Católica na Holanda estiveram envolvidos directa ou indirectamente em casos de abusos sexuais de menores. O jornal diário holandês NRC Handelsblad fez as contas e, numa reportagem publicada este sábado, aponta o dedo a 20 cardeais, bispos e bispos auxiliares numa lista de 39.
Nem todos tiveram um papel activo nos abusos — apenas quatro admitiram ter abusado crianças. No entanto, e segundo o jornal, outros 16 clérigos encobriram os abusos de que iam tendo conhecimento e, em vez de levar os autores à justiça, mudaram-nos de diocese.
“As pessoas falam sobre o que aconteceu na América, mas o mesmo aconteceu aqui ao virar da esquina”, disse ao NRC Brigitte Kicken, actualmente com 62 anos, que em 1969 foi vítima de um capelão em Maastricht. “Só em Maastricht isto aconteceu a cinco crianças”, afirma.
O abusador de Kicken acabaria por ser transferido para outra diocese, em Roermond, onde abusou de pelo menos nove rapazes e raparigas.
Contactada pela agência noticiosa AFP, a porta-voz da Igreja católica holandesa, Daphne Van Roosendaal, afirmou que a instituição “confirma parte” da reportagem. “Os nomes de vários bispos correspondem aos que foram referidos num relatório pedido pela Igreja em 2010”, acrescentou a mesma fonte. Mas vários outros nomes dizem respeito a informação confidencial e anónima a que o jornal teve acesso.
A maioria dos acusados morreu entretanto e, na maioria dos casos, os crimes já prescreveram, o que impede que as revelações feitas este fim-de-semana pela imprensa holandesa tenham consequências judiciais. Os responsáveis que ainda estão vivos não quiseram comentar a reportagem.
É a mais recente entrada numa longa lista de “atrocidades” – palavras do Papa Francisco – tornadas públicas nos últimos anos em vários países, e que estão a aumentar a pressão sobre o Vaticano. Dos abusos em Boston (EUA) ao caso do Chile, todas as histórias parecem seguir um padrão: os crimes são cometidos, são posteriormente escondidos durante anos ou mesmo décadas por responsáveis superiores, são finalmente denunciados pelas vítimas ou a imprensa e segue-se por fim um pedido de desculpas.
O problema dos abusos sexuais cometidos no seio de uma religião organizada não se limita, contudo, à Igreja Católica. Também este sábado, o Dalai Lama, líder espiritual tibetano, reconheceu pela primeira vez que tinha conhecimento desde os anos 1990 de casos de abusos cometidos por monges budistas.