Novo Apple Watch faz exame ao coração, mas médicos recomendam cautela
O Apple Watch 4 permite fazer um electrocardiograma em qualquer lugar, mas profissionais alertam que pode aumentar os níveis de paranóia e ansiedade dos utilizadores.
O novo relógio inteligente da Apple, apresentado esta quarta-feira, detecta possíveis problemas com o ritmo cardíaco dos utilizadores em qualquer lugar. Mais do que um acessório de moda ou um telemóvel de pulso, a Apple apresentou o Watch Series 4 como um "guardião inteligente da saúde", porque além de ajudar as pessoas a respirar e a comer melhor, permite fazer um electrocardiograma fora do consultório médico.
Porém, vários médios têm alertado que a medição num contexto informal pode levar a “paranóia” e aumentar a ansiedade dos utilizadores que têm dificuldades em interpretar os resultados.
“Como médico, sou muito cauteloso a examinar pacientes com testes que têm elevadas taxas de falsos positivos, como é o caso de exames que usam poucos eléctrodos para electrocardiogramas”, diz ao PÚBLICO o director do centro de tecnologia médica da Philips nos EUA, Atul Gupta. “A fibrilhação auricular é uma causa muito comum de ritmo cardíaco desregular, e um dos factores de risco mais importantes em AVC."
A tecnologia estará inicialmente apenas disponível nos EUA, onde já tem o selo da FDA, a entidade que regula o uso de dispositivos médicos – e tem recebido muita atenção nos últimos dias. Com a tecnologia, o relógio deve conseguir notificar o utilizador quando este corre o risco de fibrilhação auricular, um problema que leva o coração a bater de forma desregulada. Se for ignorado, algo que acontece frequentemente porque a condição nem sempre tem sintomas visíveis, pode provocar uma má circulação sanguínea e eventualmente um AVC. É a arritmia cardíaca mais comum, afectando cerca de 33 milhões de pessoas em todo o mundo.
A própria FDA ressalva, num comunicado publicado pouco depois da apresentação da Apple, que o aparelho não substitui um exame médico, não deve ser realizado por menores de 22 anos nem por pessoas já diagnosticadas com problemas cardíacos, e não substitui uma consulta com um profissional de saúde.
Tradicionalmente, os electrocardiogramas são feitos por um profissional de saúde, que coloca no peito da pessoa examinada vários adesivos com eléctrodos. Por vezes, são também colocados eléctrodos nos braços e pernas. O número exacto varia, sendo comum existirem entre três, cinco e doze eléctrodos no corpo consoante o tipo de exame. Depois, o paciente faz uma prova de esforço no local (por exemplo, correr um determinado tempo numa passadeira), ou leva um aparelho portátil para casa durante um período que se estende entre 48 e 72 horas.
Em comparação, o Apple Watch vem com apenas dois eléctrodos: um na parte de trás do relógio e outro na coroa. Para obter uma leitura através da aplicação de electrocardiograma, coloca-se o dedo sobre a coroa do relógio durante cerca de trinta segundos. Além disto, o relógio também monitoriza a pulsação do utilizador para detectar padrões anormais que podem estar associados a fibrilhação auricular. Os dados da leitura são encriptados, permitindo ao utilizador partilhá-los com quem quiser, incluindo profissionais de saúde.
“Estudos de 2017 mostram que exames com um só eléctrodo resultam em falsos positivos entre 5% e 24% das vezes”, nota Gupta, citando um estudo de Oxford. “A comunidade médica está muito entusiasmada com a possibilidade de sensores como aqueles que foram anunciados [quarta-feira], mas queremos ter boas provas clínicas de que resultam antes de dependermos deles.”
“Se temos até 24% de exames com falsos positivos, qual é o custo financeiro e emocional para os milhões de pessoas a correr para os serviços de emergência ou médicos de família para mais testes desnecessariamente?", questiona Gupta.
Já Ethan Weiss, um investigador em cardiologia que lecciona na Universidade da Califórnia em São Francisco, tem uma perspectiva mais optimista. "Acho que a tecnologia é muito poderosa e estou entusiasmado com o seu potencial", diz ao PÚBLICO. "Apenas temos de nos certificar que as pessoas certas a estão a usar, e sabem usá-la."
A FDA reconhece o “risco na interpretação dos resultados”, mas diz que é preciso inovar, e que os rótulos e informação a acompanhar os produtos deve realçar que os exames do relógio não substituem uma consulta médica. “A nossa abordagem em regular estes produtos tem de ser para apoiar, e não inibir, a inovação. Isso requer que tenhamos uma abordagem moderna, flexível e baseada em riscos. Esperamos que isto reduza o tempo e custo da entrada de novos produtos no mercado”.
Apesar de a Apple rotular o aparelho como inovador, não é a primeira vez que surgem aparelhos com aprovação da FDA capazes de realizar electrocardiogramas. Em Novembro, foi lançada uma pulseira para a versão anterior do Apple Watch, capaz de fazer o mesmo. Com a KardiaBand, que custa 199 dólares, os eléctrodos ficam na própria pulseira.
O relógio – que nos EUA vai ser vendido como um dispositivo médico por cerca de 399 ou 429 dólares consoante o tamanho – também deve ser capaz de ajudar as pessoas a regular a sua respiração (através de exercícios apresentados na face do relógio), avaliar a composição nutricional de alguns alimentos, medir o batimento cardíaco, e pedir ajuda se o utilizador tiver caído (o relógio detecta quando o utilizador está imóvel durante um tempo superior a 60 segundos após a queda).
Embora a Apple não revele o número específico de relógios inteligentes que vende (fazem parte da categoria “outros produtos”), dados da analista Asymco estimam que o número já ultrapasse as 40 milhões de unidades.