Na Culturgest de Mark Deputter cabem Achille Mbembe, Anne Teresa de Keersmaeker, Tim Hecker e Kader Attia
A primeira temporada programada pelo novo director da sala lisboeta arranca a 4 de Outubro e junta uma leva de nomes de peso para ajudar à celebração do seu 25.º aniversário. A participação do público, os espectáculos de grande dimensão e as temáticas transversais são as marcas que já se sentem.
Não está tudo aqui – afinal, a programação anunciada esta quarta-feira diz apenas respeito aos primeiros cinco meses que Mark Deputter alinhavou para a Culturgest. Mas neste bloco inicial de propostas para o período que vai de Outubro a Fevereiro, há já muito daquilo que, em entrevista ao PÚBLICO, o director artístico vindo do vizinho Teatro Maria Matos tinha prometido para a sala lisboeta: uma concentração clara na exploração do Grande Auditório (612 lugares), pensado como palco para espectáculos de grande dimensão; um diálogo entre as várias áreas de programação; e uma abertura à participação do público. “Esta programação é representativa do que queremos fazer agora e continuar a fazer no futuro, mas obviamente são cinco meses e não somos um festival, somos um teatro”, comenta Deputter.
Aquilo que não se vislumbra ainda, mas que o novo director artístico garante ao PÚBLICO que será evidente a partir do próximo ano, é a entrada em cena da Culturgest na co-produção de espectáculos de criadores portugueses, pensados para a ambição da sala principal do edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos. O exemplo perfeito dessa ambição é o espectáculo oficial do 25.º aniversário da Culturgest, apresentado a 12 e 13 de Outubro: Seis Concertos Brandeburgueses, coreografia de Anne Teresa de Keersmaeker sobre as emblemáticas peças homónimas compostas por J.S. Bach, interpretada por um elenco de 18 bailarinos da sua companhia Rosas e pelo ensemble de música barroca B’Rock Orchestra.
A peça de Keersmaeker, com estreia mundial por estes dias na Volksbühne, em Berlim, é o espectáculo mais grandioso – “uma proposta que numa lógica normal de programação não estaria ao alcance da Culturgest”, diz Deputter, sublinhando que só a excepcionalidade do aniversário permite um tal esforço orçamental – de um arranque de temporada de peso em todas as áreas: Tim Hecker e Kara-Lis Coverdale (4 de Outubro) na música; Achille Mbembe (dia 9) nas conferências; Kader Attia nas artes plásticas (dia 20); e ainda o regresso do Bal Moderne (dia 6) à Culturgest, também na dança.
Achille Mbembe e Kader Attia protagonizam o primeiro momento de ligação entre as várias disciplinas, permitindo uma reflexão mais alargada sobre o pós-colonialismo e aquilo que Mark Deputter descreve como “uma segunda descolonização – de mentes, atitudes e maneiras de ver o mundo”. O pensador camaronês, autor de Crítica da Razão Negra, apresentará na Culturgest a conferência Para Um Mundo sem Fronteiras, abordando a mobilidade e circulação no mundo contemporâneo, enquanto o artista franco-argelino, cuja pesquisa tem incidido sobre as relações de poder num contexto pós-colonial, estará representado pela exposição As Raízes Também se Criam no Betão, com curadoria de Delfim Sardo e Frank Lamy, até 6 de Janeiro.
O foco nas culturas não-europeias, de resto, é algo que Deputter pretende manter presente nos próximos anos, antecipando, desde já, uma co-produção com a companhia Hotel Europa (de André Amálio) para um futuro espectáculo de teatro, assim como um ciclo que surgirá também num momento posterior da programação. Também a ecologia e as alterações climáticas virão a marcar as futuras ligações temáticas a explorar multidisciplinarmente pela Culturgest.
De Outubro em diante
A nova vida da sala lisboeta sob a alçada de Deputter inicia-se com o concerto de Tim Hecker em que o músico canadiano (coadjuvado por Kara-Lis Coverdale, responsável também pela primeira parte) estabelece uma ponte musical com os músicos japoneses do ensemble Tokyo Gakus, praticantes de gagaku (uma forma de música clássica japonesa), registada no seu novo álbum – Konoyo. No capítulo da música, cuja programação tem assinatura de Pedro Santos, seguir-se-ão James Holden & The Animal Spirits (7 de Novembro), o encontro com a obra singular da japonesa Midori Takada (15 de Novembro) cujo disco de estreia, gravado em 1983, se tornou um fenómeno no ano passado, a colaboração entre o trompetista Peter Evans e a Orquestra Jazz de Matosinhos (28 de Novembro), Mouse on Mars (5 de Dezembro) e Montanhas Azuis (Norberto Lobo, Bruno Pernadas e Marco Franco num só grupo, a 15 de Fevereiro).
A música incluirá ainda um ciclo proposto pela própria Caixa Geral de Depósitos, com apresentações da Orquestra Clássica do Sul – a acompanhar Katia Guerreiro, a 31 de Outubro, e depois com um concerto de Natal, a 14 de Dezembro – e da Orquestra Metropolitana de Lisboa – a partir de Beethoven, a 11 de Novembro, e um mês mais tarde, a 15 de Dezembro, comemorando os 20 anos do Nobel de José Saramago com a estreia de Memorial, peça de António Pinho Vargas inspirada pela leitura do autor de Memorial do Convento.
As conferências e os debates alinhados por Liliana Coutinho passarão pelo simpósio de fotografia Para Além da Idade das Luzes (31 de Outubro) e pelos encontros com Hiwa K. (31 de Outubro), Françoise Frontisi-Ducroix (5 de Novembro), numa abordagem ao voyeurismo, Maria Filomena Molder, Rosa Maria Martelo e Tomás Maia (17 de Novembro), Sónia Baptista, Ana Cardoso Oliveira, Miguel Silveira e Isabel Empis, que se juntam para falar sobre o direito à tristeza (16 de Janeiro), Yayo Herrero (18 de Janeiro), debatendo o eco-feminismo, e Catherine Wood e Rabbya Naseer (18 e 19 de Fevereiro), numa sessão sob o título Performance, Intimidade, Afectividade.
Na dança, a coreógrafa La Ribot criará para a companhia Dançando com a Diferença (e com a colaboração da cineasta Raquel Freire) o espectáculo Happy Island, a 23 de Novembro, enquanto Gisèle Vienne apresentará a 8 e 9 de Dezembro Crowd, ou como transformar o palco numa rave. Na área da performance, lugar à reposição, de 16 a 19 de Janeiro, de Triste in English from Spanish, de Sónia Baptista, e a Soma, que Jonathan Uliel Saldanha levará ao Pequeno Auditório, no âmbito do Temps d’Images, a 9 e 10 de Novembro. Espelhando a vocação participativa da programação de Deputter, o colectivo Rimini Protokoll colocará em cena, entre 1 e 10 de Fevereiro, o seu 100% Lisboa, “que põe mesmo 100 habitantes de Lisboa em palco”, antecipa o director artístico. “Mas há mais projectos em que procuramos a participação de jovens, como aquele em que um grupo de público vai poder criar uma exposição de raiz, com o apoio da uma curadora, a partir da colecção da Caixa Geral de Depósitos.”
Depois de Kader Attia, a Culturgest receberá ainda, com a curadoria de Delfim Sardo, exposições de Juan Araujo (20 de Outubro a 6 de Janeiro) e João Onofre (16 de Fevereiro a 19 de Maio), enquanto a Culturgest-Porto abrirá as portas à instalação fílmica Fatamorgana, de Salomé Lamas (27 de Outubro a 13 de Janeiro).
Como sempre, a Culturgest será também casa para o DocLisboa, entre 18 e 28 de Outubro, e apresentará ainda uma programação dedicada à infância e às famílias.