A história do chocolate é uma história do mundo

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Era o ouro castanho dos aztecas, bebida dos deuses, adorada pelos maias, que o bebiam nos casamentos e o usavam nos baptizados para as abluções, misturado com água benta e que para ele – falamos do cacau – tinham muitas palavras diferentes, prova de como era central nas suas vidas.

Em Do Cacau ao Chocolate, que acaba de ser lançado numa edição dos CTT, Fátima Moura conta (com imagens históricas e fotos actuais da autoria de Mário Cerdeira) a história deste fruto misterioso do qual foram encontrados vestígios numa tijela datada de 1400 a.C, nas Honduras, de como ele se tornou objecto de fascínio por todo o mundo e do papel que os portugueses tiveram nesta aventura.

Tudo começa com o fruto e a árvore que o dá, o cacaueiro, em diferentes variedades, o criollo, o forastero e o trinitário. Isto se quisermos ser muito básicos, porque o cacau é um universo de enorme complexidade e que ameaça tornar-se ainda mais complexo quanto mais se estudam as diferentes variedades, origens geográficas e influência dos diversos terroirs.

Por isso, a certa altura a autora interpela-nos com uma pergunta: a que sabe realmente o chocolate? Conseguimos responder? “Hoje sabemos que não existe uma substância única responsável pelo sabor do chocolate”, explica Fátima Moura. “Este resulta da combinação de algumas substâncias químicas de um total de mais de seiscentos compostos voláteis presentes nas sementes do cacau, número bastante superior ao de um vinho de boa qualidade”.

Uma parte muito importante do livro é dedicada ao relato de como o cacau e o chocolate se cruzam com a história do mundo, com uma atenção especial a São Tomé e Príncipe, onde esta monocultura veio substituir a do café e foi base da construção de grandes fortunas e da exploração do trabalho de muitos.  

Curiosamente, apesar do envolvimento de Portugal na produção de cacau no Brasil e em São Tomé, o país nunca foi um grande consumidor de chocolate. “Em Portugal”, escreve Fátima Moura, “o chocolate foi uma bebida apreciada na corte mas pouco popular entre as restantes classes sociais, ao contrário de Espanha, onde veio a tornar-se um hábito do povo.”

Entre os portugueses, a utilização do cacau era sobretudo medicinal e a fraca utilização culinária é confirmada pelo número reduzido de referências nos livros de receitas, que “estampam apenas as receitas de chocolate mais comuns nos seus congéneres da Europa dos fins do século XVII e do século XVIII: cremes, gelados, drageias e maçapão”.

Diz a autora que “o cacau é tratado nas nossas receitas como uma espécie de aroma, semelhante à baunilha”, numa época em que os italianos “faziam experiências mais arriscadas” misturando, por exemplo, o cacau com polenta ou com fígado.

Apesar disso, mais recentemente, em Portugal como em todo o mundo, o chocolate vulgarizou-se e tornou-se algo de todos os dias. Num dos capítulos, Fátima escreve sobre “o chocolate da saudade” recordando chocolates já desaparecidos (e alguns recentemente recuperados em versão vintage) como os da Regina com a icónica caixa para fazer furinhos, a Colecção Espacial da Rajá, com o inesquecível slogan “o melhor que há”, o Coma com Pão, as Bombokas, “coisa doce tão fofinha”, ou as hoje muito politicamente incorrectas “tabletes das francesas” que permitiam graças do género “hoje vou comer a Françoise”.

O último capítulo reúne uma série de receitas com chocolate da autoria de dois chefs pasteleiros portugueses, Francisco Siopa e Francisco Moreira e ainda uma receita vegan de Nuno Mota, autor do blogue Alho-Francês.

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