Para pessoas trans, intersexo e não-binárias, Lisboa não é uma cidade inclusiva
Associação Acção Pela Identidade (API) lançou um questionário para perceber como é que a cidade acolhe pessoas trans, intersexo e não-binárias. Objectivo é estender o estudo a Porto e Coimbra.
A maioria das pessoas intersexo, trans e não-binárias que vive em Lisboa tem dificuldades económicas, não recebe acompanhamento clínico ou fá-lo no privado e acha que a cidade exclui as pessoas com estas características, revela um inquérito.
Os dados foram apresentados esta segunda-feira na conferência #Estaéaminhalisboa: Promover os direitos das Pessoas Intersexo, Trans e Não-binárias (pessoas que não se identificam nem com o género feminino nem com o masculino), e são ainda preliminares, resultado de um inquérito feito pela associação Acção Pela Identidade (API).
Nesta primeira fase, 60 pessoas que vivem ou trabalham em Lisboa responderam ao inquérito, sendo que 71% acha que a cidade "não é inclusiva para as pessoas intersexo, trans ou não-binárias".
"De forma geral não se sentem incluídas em nenhum dos equipamentos da cidade, seja equipamentos públicos, seja equipamentos privados, seja em equipamentos de educação, seja no seu emprego, há uma sensação de exclusão completamente generalizada que trespassa o inquérito logo numa primeira abordagem", apontou Júlia Mendes Pereira, da API. Ainda assim, 68% dos inquiridos sente-se seguro durante o dia e outros 55% durante a noite.
No que diz respeito aos equipamentos, 68% acha que os estabelecimentos nocturnos LGBTI são "moderadamente inclusivos", enquanto 68% avalia os equipamentos desportivos como "nada inclusivos".
No que diz respeito à situação económica e meios de vida, 40% dos inquiridos admitiu viver com "algumas dificuldades", havendo mesmo 8% que revelou viver com "muitas dificuldades", sendo que 52% depende economicamente do seu emprego, ao mesmo tempo que 35% depende de ajuda familiar.
Em matéria de saúde, os resultados mostram que as pessoas intersexo e as pessoas trans "são grupos completamente distintos", mas que têm em comum estarem a ser "amplamente mal servidos".
Júlia Pereira destacou que, no caso das pessoas trans, perceberam que muitas não sentem confiança nos serviços disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a "grande maioria das pessoas que quer aceder às equipas multidisciplinares de sexologia, para terem o diagnóstico e poderem fazer cirurgias estão a procurá-los no privado".
Por outro lado, 85,71% das pessoas intersexo admite que "não recebe nenhum tipo de acompanhamento".
A responsável pede, por isso, que o SNS clarifique que serviços têm para oferecer a estas pessoas e que depois facilite o acesso.
A API vai continuar a receber inquéritos até ao dia 15 de Setembro, mas planeia já alargar este estudo a outras cidades do país, como Porto ou Coimbra.
O inquérito teve a colaboração da Câmara Municipal de Lisboa e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), tendo a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade destacado a importância e a originalidade deste projecto-piloto, admitido que estas pessoas "sofrem um conjunto de discriminações na cidade em geral".
"Estes dados são sempre preocupantes. Qualquer dado que indique que as pessoas se sentem não incluídas numa sociedade são preocupantes e devem mobilizar para a acção", defendeu Rosa Monteiro.
Por outro lado, a secretária de Estado destacou que Portugal é considerado um dos países europeus com a legislação mais avançada, apontando as várias iniciativas que estão a ser desenvolvidas, desde a educação para a cidadania, o atendimento especializado para a comunidade LGBTI ou a casa abrigo específica para vítimas de violência doméstica.
Com base nos dados deste inquérito, a API vai desenvolver um outro projecto, o Laboratório de acção não-binária, transgénero e intersexo (Anti-Lab), um "espaço de experimentação e questionamento", para compreender o que existe e perceber de que forma pode ser melhorado.