As pêras do sr. Rocha não são iguais às outras
É altura de colheita nos pomares da região do Oeste. Este ano, os produtores prevêem uma quebra da produção entre os 25 e os 35% do fruto DOP que foi descoberto em 1838 no pomar de um senhor chamado Rocha.
Há um truque muito fácil para se colher pêras sem as danificar, explica António Matos Rosa antes de nos passar o balde para as mãos. Agarra-se no fruto e puxa-se para cima, rodando-o ligeiramente ao mesmo tempo. Assim consegue-se cortá-lo, evitando apertá-lo entre os dedos e conseguindo um corte a direito do caule que garante que ele não vai furar outros frutos quando o colocarmos dentro do balde.
Não há uma ciência muito grande na apanha de pêra-rocha, mas há alguns cuidados que é importante ter. Por isso, na Quinta da Boavista, pertencente à Sociedade Agrícola Quintas de Cadaval, a Norte de Lisboa, antes de começarmos a trabalhar recebemos um folheto, em português ou em inglês, com as regras de higiene e segurança (coisas como lavar as mãos ou não fumar) e os cuidados a ter com os frutos.
Logo nos primeiros minutos aprendemos que se colocarmos o balde pendurado num ramo mais firme da árvore não temos que nos dobrar tanto e protegemos mais as costas, e ouvimos as explicações de António sobre que frutos devemos deitar ao chão, garantindo desta forma que só os que não têm qualquer defeito irão parar ao balde e depois à grande caixa branca de plástico, colocada no meio das filas de pereiras.
Somos apenas visitantes de passagem e, mesmo equipados a rigor com chapéus de palha para o sol, rendemos pouco ao “patrão”: dois baldes cheios de pêras, algumas deixadas na árvore, enfim, um trabalho pouco sistemático. Nada a ver com quem está a trabalhar a sério, umas filas mais à frente. Há dois estudantes de agronomia vindos do Brasil, mas o grosso dos trabalhadores são do Nepal e do Bangladesh (na época das colheitas, o sector emprega cerca de 150 mil pessoas, segundo a associação de produtores) – e a música que sai do rádio é também de sonoridade asiática.
Trabalham rapidamente e, para além da música, os únicos sons que se ouvem são o “poc, poc” das pêras a serem colocadas nos baldes e, de minuto a minuto, a voz de alguém, geralmente num português com sotaque, a lançar um pedido: “balde!”, indicando assim que acabara de encher mais um e precisa de outro.
Estamos em época das muito mediáticas vindimas em todo o país, mas aqui, na região do Oeste, as atenções dos agricultores estão concentradas na pêra-rocha, produto que em 2003 foi reconhecido como Denominação de Origem Protegida (DOP) pela União Europeia e que tem um peso crescente nesta zona (a fileira tem mais de cinco mil produtores e ocupa cerca de 11 mil hectares no Oeste).
Armando Torres Paulo, produtor responsável pela Quinta da Boavista, e tio de António, está ligado a este fruto há mais de 35 anos e conhece bem os altos e baixos da sua história – mais altos que baixos. Este ano, a má notícia é uma quebra na produção de perto de 35%, diz. Podia pensar-se que o grande inimigo da pêra foi o calor que se fez sentir no início de Agosto, mas Torres Paulo explica que o pior é o vento. “Quando está vento, as abelhas não vêm. Quando chove ou faz muito calor, vêm menos, mas aparecem. Com vento, não vêm mesmo.” E sem abelhas não há polinização. “Este ano foi difícil para as abelhas fazerem o seu trabalho. Por isso não lhes pagámos”, brinca o produtor.
Brincadeiras à parte, este é um assunto sério. “Trabalhamos todo o ano para este momento”, lembra António. Agora é altura de avaliar o estado da fruta para tomar as decisões sobre o melhor momento para a apanhar. Para isso, são analisadas amostras, com o objectivo de analisar a firmeza da casca e o grau brix, que corresponde ao nível de açúcar. Apesar de, à vista, as pêras ainda parecerem verdes, são estes dois valores que determinam a altura certa da apanha para que elas possam aguentar depois bastante tempo.
Este é um dos grandes trunfos da pêra-rocha, a sua durabilidade. “Se compararmos com as pêras Williams do Chile ou da Argentina, os pomares de pêra-rocha são de baixa produtividade e de calibres médio-pequenos”, diz Domingos dos Santos, produtor e presidente da Associação Nacional de Produtores de Pêra Rocha (ANP). “As outras não têm o mesmo sabor que as nossas, mas são pêras, por isso para competirmos temos que marcar a diferença e a nossa fruta é praticamente a única que aguenta 9 ou 10 meses de conservação em frio, continuando boa para ser consumida.”
Foi para mostrar as qualidades desta pêra – que deve o seu nome a Pedro António Rocha, que a descobriu pela primeira vez em 1836 entre os frutos do seu pomar, no lugar da Ribeira de Sintra, resultado talvez de uma mutação genética, e a achou tão curiosa que começou a dá-la a provar aos amigos e conhecidos - que a associação de produtores convidou jornalistas e chefs ?dos principais mercados de exportação a visitarem Portugal e os pomares do Oeste. A esse sr. Rocha deve-se a divulgação desta variedade, que só terá reconhecimento oficial em 1926 e que é hoje uma das frutas mais exportadas, com 60% da produção a ir para fora do país, sendo o Brasil o principal mercado, seguido pelo Reino Unido, Marrocos, França, Alemanha e Espanha.
É a vontade de a passar para um patamar superior, premium, mais valorizado, que, explica Domingos dos Santos, justifica a operação de charme agora organizada. Entre uma manhã a apanhar fruta e uma tarde a conhecer a Central Fruteira Granfer, em Óbidos (que, para além de ter produção própria de pêras, pêssegos, nectarinas, maçãs, ameixas e damascos, tem 26 enormes câmaras frigoríficas e uma capacidade para armazenar perto de 30 mil toneladas), os convidados tiveram tempo para perceber melhor o potencial gastronómico da pêra-rocha.
Se, como confirmavam os jornalistas brasileiros que acompanharam a visita, a pêra no Brasil – onde é conhecida como “pêra portuguesa” – é comida geralmente crua, aqui pretendeu-se mostrar que ela pode ter outras utilizações: numa entrada cozinhada com queijo de cabra, numa sobremesa com creme inglês, em rissóis (onde dificilmente se detectou o sabor), num prato de peru recheado com pêra-rocha, num puré juntamente com batata-doce, em versão pêra bêbeda ou num crumble ou, ainda, num creme de cenoura com amêndoas e pêra, frita a acompanhar lombinho de porco preto ou em diferentes texturas com um petit gâteau de chocolate.