A canja de berbigão
O berbigão tem um sabor insubstituível mas é tratado, com cabotina ingratidão, como se fosse uma amêijoa para pobres de bolso e de espírito
Setembro é o mês do berbigão gordinho, o bivalve menos bajulado das nossas praças. O berbigão tem um sabor insubstituível mas é tratado, com cabotina ingratidão, como se fosse uma amêijoa para pobres de bolso e de espírito.
O berbigão atravessa connosco os últimos dias do Verão e o Outono, acompanhando-nos pelo Inverno fora até despedir-se em Maio, depois de saudar connosco a Primavera. É uma companhia infalível, ideal para inaugurar um almoço.
Atrevo-me a sugerir que a minha receita de canja de berbigão é a mais fácil do mundo. Abre-se o berbigão num tacho e deita-se para uma tijela de sopa. A água que os berbigões deitam é a canja. Pronto. Está feita. É uma receita que não leva sal nem água nem limão nem tempo.
Vai-se comendo o berbigão e, quando se chega à canja, despem-se dez berbigões para mergulhar no caldinho.
Pega-se numa colher de sopa e em cada colherada garante-se um berbigão. É escusado arranjar maneira de complicá-la. Sempre que experimentei arrependi-me. Esqueça as estrelinhas, a salsa, o prolongamento com a água de cozer a massa, a batota de acrescentar berbigão de conserva. Esqueça, sobretudo, a tentação maligna de fazê-las à Bulhão Pato. São distracções que diluem a berbigonice essencial.
O único perigo de comer a canja toda é apanhar alguma estragada. É raríssimo mas acontece. Se o sabor de algum berbigão não for perfeito, por amor de Deus não beba o caldo porque está lá a água do berbigão avariado.
By the way, é melhor não arriscar esta canja com mexilhão.