O cerco à democracia na Europa já passa por Itália
O sapo europeu assiste impávido e sereno ao aquecimento da temperatura imposta pelo extremismo.
A democracia liberal na União Europeia anda há tempo de mais a representar o papel do sapo na panela que aquece lentamente. De ataque em ataque, personagens como Matteo Salvini ou Viktor Orbán vão aumentando a temperatura das suas ameaças sem que as democracias europeias se indignem, sem que reajam, sem que mostrem sinais de que perceberam a dimensão do perigo que enfrentam, sem que constatem que, lenta mas inexoravelmente, há um cerco que se adensa e um nó que se aperta.
Esta terça-feira, Orbán e Salvini juntaram-se em Milão para, uma vez mais, pavonearem o seu desprezo pelos imigrantes, para atacarem os líderes fiéis aos princípios da Europa (na segunda-feira, foi a vez de Emmanuel Macron), para insinuarem a evolução do bloco soberanista que alberga checos, polacos, húngaros, eslovacos e italianos na missão de regressar ao passado nacionalista que tantas vezes devastou o continente.
Após mais esta ofensiva populista, xenófoba e iliberal, não se ouviram protestos. O sapo europeu assiste impávido e sereno ao aquecimento da temperatura imposta pelo extremismo. Não nota que aquilo que hoje se ouve pela boca de Orbán ou de Salvini seria um escândalo inimaginável há apenas uma década. Não percebe que a renúncia a enfrentar o populismo radical é por si só um estímulo para que o populismo radical se implante e estenda para novos países. Ou para que líderes como Salvini ou Orbán apareçam sem pudor como símbolos de uma Europa que desistiu de si própria enquanto ideia e projecto.
Assistir à cimeira informal de Milão é a prova que o nó do extremismo se vai apertando. Sem que partidos como o Fidesz de Orbán sejam expulsos do grupo parlamentar europeu onde estão o PSD e o CDS. Sem que a União Europeia faça cumprir as suas regras e mostre aos húngaros ou aos checos que não podem ter o nacionalismo anti-imigrante numa mão e os apoios e o acesso ao mercado europeu na outra. Quando perceberem que sem a Europa os seus devaneios se desfazem perante a pobreza, terão mais coragem para recusar os ataques dos seus governos à imprensa ou aos tribunais. Mas enquanto a UE se mantiver no seu papel de demissão cobarde, nada disso acontecerá. Até um dia, como nos mostra a História.