Panamá pressiona Portugal para sair da lista negra de offshores
Ferido pelos esquemas da Mossack Fonseca, o Panamá tenta dar a volta à história prometendo mais transparência. Lisboa quer encurtar “lista negra” de paraísos fiscais, mas saída do Panamá ainda não é certa.
Ainda a colher os estilhaços da forma avassaladora como os Panama Papers destaparam o modus operandi de uma poderosa indústria offshore que está muito para além das actividades da sociedade de advogados Mossack Fonseca, o Panamá continua até hoje a multiplicar os esforços diplomáticos para pôr cobro à má reputação do seu centro financeiro.
A pressão do Governo panamiano estende-se em várias frentes, seja pela promessa de abrir a economia do país a maior transparência e cooperação de informação sobre as empresas ali sediadas, seja pela aposta em retaliar diplomaticamente contra quem ainda o considera um país não-cooperante. Não por acaso o Governo de Juan Carlos Varela tem procurado convencer Lisboa a retirar o nome do país da “lista negra” de paraísos fiscais. Mas esperar para ver parecer ser, para já, a estratégia portuguesa.
O executivo de António Costa está a rever o leque de jurisdições offshore e ainda não é certo que vá excluir o Panamá desse lote, apesar de a União Europeia já ter retirado o país da sua “lista negra” depois de o governo panamiano se ter comprometido a avançar em Setembro deste ano com os mecanismos de troca de informações financeiras com outros países.
A vontade do Panamá voltou a ser vincada há poucas semanas pelo Governo de Varela, aproveitando a visita do ministro português dos Negócios Estrangeiros (MNE) à Cidade do Panamá, onde foi inaugurar a embaixada portuguesa no país. O assunto foi tema de conversa dos encontros de trabalho ao mais alto nível que Augusto Santos Silva teve a 8 de Agosto com o Presidente, a vice-Presidente Isabel Malo de Alvarado e a ministra da Economia e Finanças em exercício Eyda Varela de Chinchilla. Mas o número dois do Governo de Costa não dá por garantido que a retirada da “lista negra” venha a acontecer.
“O compromisso assumido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros foi o de continuar esta interacção [de troca de informação fiscal entre o Panamá e Portugal], de forma a verificar se o Panamá cumpre ou não as condições necessárias para sair da lista portuguesa”, garantiu ao PÚBLICO o gabinete do MNE, quando questionado sobre se Portugal firmou já algum compromisso de retirar ou negociar a retirada do país daquele grupo – vontade que o anfitrião tornou pública após o encontro.
O fisco português fez cinco pedidos de informação à administração tributária panamiana em 2017, recebeu as respostas entretanto e está ainda a analisar a documentação – e é a essa “interacção” que o MNE se refere como parte do processo de decisão.
O Panamá há muito o reclama, mas ainda não viu a intenção satisfeita nem pelo Governo de Pedro Passos Coelho nem pelo de António Costa, ainda que o desejo tenha pelo menos oito anos, quando em Agosto de 2010, pela mão do Governo de José Sócrates, os dois Estados celebraram uma convenção para evitar a dupla tributação, que viria e entrar em vigor em 2012.
Se Portugal o fizesse já seguiria a opção da União Europeia (UE). Quando no ano passado decidiu avançar a primeira lista comum de paraísos fiscais, o Conselho Europeu, apoiado pela estratégia de Bruxelas, optou na verdade por criar duas listas: uma “negra” e uma “cinzenta”. Começou por colocar o Panamá na primeira em Dezembro de 2017. Mas, semanas depois, decidiu desviá-lo para o segundo leque, aquele onde se incluem muitos paraísos que, mesmo sem deixarem de o ser, já assumiram compromissos concretos de maior transparência financeira e maior cooperação com as administrações fiscais de outros países.
Retaliação diplomática
Depois da visita de Santos Silva, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Panamá emitiu um comunicado dando a sua perspectiva sobre o que aconteceu na reunião: e quanto aos assuntos fiscais, não os únicos em cima da mesa, enfatizou os seus próprios “avanços em relação à transparência e à cooperação” e deu como certo que os dois países avançarão com “conversações técnicas que permitam a exclusão recíproca de ambos os países das listas nacionais em matéria fiscal”. Recíproca, a retirada, porque não é apenas Portugal que tem o Panamá numa “lista negra” (formalmente, a “Lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis”); também o Panamá colocou Portugal numa lista especial.
Como retaliação diplomática a alguns dos países que o consideram um paraíso fiscal, o próprio Panamá criou uma listagem alternativa para enumerar os países que “levaram a cabo acções ou omissões prejudiciais ou lesivas dos interesses económicos ou comerciais” da República panamiana. Chama-lhe a “Lista de Estados que Discriminam o Panamá” e do lote de 20 discriminadores estão mais sete países da União Europeia (como a França, a Estónia ou a Croácia) e alguns dos países regionais da América Central e do Sul, como o Uruguai (ele próprio considerado um paraíso fiscal), a Venezuela, o Equador, o Brasil ou a Colômbia.
Os países têm estratégias distintas de lidar com os paraísos fiscais. Há na União Europeia 16 países que não têm sequer “listas negras” (entre eles a Dinamarca, a Alemanha ou Áustria), optando antes por accionar cláusulas anti-abuso para prevenir as situações em que uma operação económica de um contribuinte relacionada com um determinado centro offshore possa efectivamente ser tributada sem cair em “terra-de-ninguém”, ficando sem ser tributado nem no paraíso fiscal, nem nesse país que o pretende tributar.
Por essa razão Portugal já tem previsto na lei esse tipo de medidas defensivas para lidar com os países que, ainda que sejam cooperantes e por isso não estejam na “lista negra” oficial, são na verdade paraísos fiscais no sentido em que aplicam uma taxa de IRC nula ou muito baixa. Há casos em que, por força dessas regras, o fisco pode tributar o rendimento gerado em Portugal sem recorrer ao expediente da lista.
Reduzir a lista
O Governo quer encurtar a lista de paraísos fiscais e no passado o próprio Ministério das Finanças já apresentou ao Parlamento alguns argumentos por escrito, defendendo que os países que aparecem aí elencados, pelo facto de estarem numa “lista negra”, estão pouco disponíveis para cooperar e notando, por outro lado, que manter nesse lote jurisdições que já estão a cumprir as obrigações de troca de informações pode ser um obstáculo.
A tendência é a de restringir essa lista às jurisdições não-cooperantes, ou seja, àquelas em que a troca de informações não é eficaz. Mas resta saber em que termos concretos será implementada essa exclusão e o que acontece ao Panamá quando for apresentada a primeira revisão. Uma decisão que dificilmente será consensual, como não foi a da UE, pelo simbolismo mediático que a praça financeira centro-americana adquiriu como paraíso fiscal a partir das revelações do Panama Papers. Para todos os efeitos, é uma decisão política, com tudo o que isso implica além das questões fiscais concretas.
Missão: cooperar
Para já, com o Panamá, Portugal tem de pé a tal Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento. Não está no horizonte do Governo celebrar um acordo para a troca de informação. Como a convenção “prevê um regime de troca de informações, à semelhança do que sucede com as demais CDT [convenções] que Portugal tem em vigor com Estados terceiros”, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não vê como necessário celebrar um acordo bilateral para a troca de informações.
Portugal tem, porém, esses instrumentos com outros paraísos fiscais, das Ilhas Virgens Britânicas às Ilhas Caimão, de Jersey à Ilha de Man. Mas as estratégias para uns e outros nem sempre são replicáveis e, ao mesmo tempo, como o Panamá já assinou o acordo multilateral da OCDE sobre a troca de informações acerca de contas financeiras, o MNE sustenta que “a base legal necessária para trocas de informação automáticas e espontâneas no relacionamento com Portugal ficou plenamente assegurada a partir de 1 de Julho de 2017, data em que entrou em vigor no Panamá a Convenção Multilateral, de que também Portugal é signatário”.
Esse documento prevê as normas em que as administrações tributárias dos vários países cooperam entre si para trocar informações sobre as contas financeiras (algumas transmitidas automaticamente de forma regular, outros solicitados pontualmente e outros transmitidos de forma espontânea). É também aí, lembra o MNE, que se definem “outras formas de cooperação entre as autoridades competentes das jurisdições signatárias (inspecções fiscais simultâneas, verificações no estrangeiro e assistência na cobrança de créditos fiscais)”.