Verões de música antiga
Os Encontros Internacionais de Música da Casa de Mateus e o Festival Internacional de Música de Évora colocam a música antiga em primeiro plano, com um conjunto de acções de formação e concertos. Para manter a tradição e para ir mais longe.
A Fundação Casa de Mateus, em Vila Real, retoma este ano os seus famosos Encontros Internacionais de Música, desenvolvendo, paralelamente aos concertos, a cargo de intérpretes portugueses e estrangeiros reconhecidos no campo da música antiga, um programa pedagógico com cursos e conferências.
Os encontros abriram já no domingo passado com uma conferência de Rui Vieira Nery sobre Os Cursos de Mateus e o Movimento da Música Antiga em Portugal, seguida de um Serão com Bach com o flautista António Carrilho e a pianista Helena Marinho, ambos intérpretes regulares de música antiga e dois dos professores responsáveis pelos cursos, ao lado de nomes como María Cristina Kiehr (canto barroco), Enrico Gatti (violino), Patxi Montero (viola da gamba, violone e contrabaixo), Raquel Cravino (violino barroco e repertório barroco adaptado ao violino moderno), Michio Ohara (correpetição em cravo e pianoforte). Haverá ainda um curso de cravo por Jacques Ogg, cravista conceituado que poderemos ouvir também num concerto a solo esta quinta-feira na Capela da Casa de Mateus.
Teresa Albuquerque, membro da direcção da fundação, explica ao PÚBLICO a importância deste retomar dos Encontros Internacionais de Música, que considera “um dos pilares da actividade da Casa de Mateus desde que foram criados, em 1978": "É uma tradição com uma ligação à academia que tem o seu ponto alto em Agosto, numa série de iniciativas pedagógicas interdisciplinares e de concertos com grandes intérpretes da música antiga.”
Ricardo Bernardes é o director artístico do festival, assumindo a orientação do Ensemble Vocal nos cursos e a direcção do concerto de encerramento, no próximo dia 18, para música de câmara e ensemble vocal, ao lado de Marcio Soares Holanda, tenor brasileiro radicado em França desde o ano 2000 e colaborador regular do famoso grupo Les Arts Florissants, dirigido por William Christie e Paul Agnew. Estes encontros, diz, pretendem “reforçar a memória da Casa, com a sua ligação entre as artes, a cultura, a literatura e a ciência”. Este ano, os concertos serão centrados “na música ibérica e nas suas ramificações”: oportunidade portanto para escutar obras de compositores barrocos portugueses menos conhecidos do grande público, como Pedro de Araújo ou João Rodrigues Esteves, mas também Vivaldi, Bach ou a contemporânea Ella Macens. Ao mesmo tempo, sublinha Bernardes, pretende-se dar o devido destaque a intérpretes virtuosos nos seus instrumentos.
Além dos concertos já referidos, e até dia 18, poderemos ainda ouvir, esta terça-feira, o quarteto The Judgement of Paris com Aimee Brown, Ingrid Fitler, Isabelle Palmer e Peter Petocz na flauta de bisel. No dia 17, os participantes dos XXVIII Encontros da Casa de Mateus apresentarão na Igreja Paroquial de Mateus um concerto de música de câmara que resulta dos cursos realizados anteriormente. Todos os concertos têm início às 19h.
Um festival para crescer
Entretanto, em Évora, inicia-se esta quarta-feira um Festival Internacional de Música que pretende contribuir para a revitalização cultural e musical daquela cidade. Falámos com o director artístico do festival, João Moreira, que tem uma ligação estreita à cidade de Évora, onde nasceu e iniciou os seus estudos musicais antes de prosseguir uma carreira internacional e de ter estudado na Holanda, onde é hoje um cantor muito activo no campo da música antiga, nomeadamente no Coro de Câmara da Holanda, entre outros agrupamentos.
Embora esta edição do Festival Internacional de Música de Évora (FIME), que se estende até sábado, seja dedicada à música antiga, João Moreira não pretende que o evento se foque apenas no repertório dos séculos XVI, XVII e XVIII: “O FIME deste ano reúne músicos com quem trabalhei na Holanda, mas também outros intérpretes portugueses, juntando-os num grupo específico para este festival. Mas eu gostaria que em cada ano houvesse um tipo de repertório diferente.” Os músicos ficarão em residência na cidade e ali trabalharão em conjunto, apresentando-se numa série de quatro concertos dedicados a compositores e repertórios diversos, dentro da música antiga: na quarta-feira poderemos ouvir um programa intitulado Amor numa noite longa de Verão, com música de Claudio Monteverdi e alguns dos seus contemporâneos; na quinta-feira será a vez de Contemplação, preenchido com música inglesa da era Tudor, com obras de Tallis, Byrd, Dowland e Gibbons, entre outros; na sexta-feira haverá Vivaldi, com as famosíssimas Quatro Estações, ao lado de outros concertos para violino e flauta do compositor italiano; no sábado, o festival fecha com música vocal e instrumental de Johann Sebastian Bach.
O director artístico do FIME avisa ainda que o público poderá assistir a ensaios abertos ao público, a partir desta terça-feira, às 19h. “As pessoas podem entrar e ver o processo de criação e perceber melhor o trabalho dos músicos. Creio que é um programa muito aliciante – e todo de entrada livre – numa cidade incrível como é Évora.” João Moreira convida quem não vive em Évora a deslocar-se até ali, não só para assistir ao FIME, mas para sentir o “clima maravilhoso e a comida ainda melhor”, e salienta o facto de este FIME se inserir numa série de actividades culturais promovidas pelo município, “incluindo teatro, concertos ao ar livre e muitas outras coisas”. O FIME pretende, segundo João Moreira, “colmatar uma lacuna, a falta de um grande festival regular e abrangente dedicado à música clássica [na cidade], embora haja muitos projectos pontuais ligados ao Conservatório de Música ou à Universidade de Évora.” E olha já para mais longe: “Para a candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura de 2027, seria importante crescer nesta área, e ter um festival assim, que não seja rotulado apenas de festival de música antiga.” Que seja simplesmente um grande “Festival Internacional de Música de Évora”, ou seja, FIME.