Turquia intervém para travar queda da moeda
Banco central turco diz que vai tomar “todas as medidas que sejam necessárias” para garantir a estabilidade financeira do país.
O banco central turco anunciou esta segunda-feira uma série de medidas para tentar proteger a sua moeda, que atingiu um novo mínimo face ao dólar na sequência do confronto comercial com os EUA. Entre elas está uma descida de 250 pontos base nos montantes de reserva que os bancos são obrigados a deter na moeda local.
Através de dois comunicados emitidos esta manhã, o banco central diz que as medidas vão aumentar a disponibilização da lira turca e de dólares no mercado. A instituição garante ainda que vai “providenciar toda a liquidez que os bancos precisarem” e que tomará “todas as medidas que sejam necessárias para manter a estabilidade financeira”.
A estratégia anunciada esta manhã ajudou a lira turca a recuperar um pouco da sua queda face ao dólar, estando cerca das 18h (hora de Lisboa) na casa das 6,9 liras/dólar, após ao início do dia ter batido um novo mínimo face à moeda norte-americana (7,2 liras/dólar). No caso da moeda única europeia, é preciso 7,95 liras para comprar um euro (há um mês o valor estava nas 5,66 liras, e o dólar nas 4,84).
O esforço, no entanto, pode revelar-se insuficiente. Vários analistas vieram defender que é preciso uma subida das taxas de juro, algo a que o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, se opõe de forma frontal por desejar uma politica de dinheiro barato que facilite os empréstimos e o investimento – o que, por sua vez, tem levantado questões sobre a independência do banco central.
Ontem, o ministro das Finanças e genro de Erdogan, Berat Albayrak, já tinha afirmado numa entrevista que iriam ser tomadas medidas a partir desta segunda-feira, depois da forte queda da lira que ocorreu esta sexta-feira, dia em que a divisa turca chegou a cair 18%. De acordo com Albayrak, o governo vai pautar-se por uma forte disciplina orçamental, e que para além do auxílio aos bancos iria haver também um plano de apoio à chamada “economia real”, com destaque para as pequenas e médias empresas, mais afectadas pela desvalorização da moeda.
Na entrevista que deu ao jornal Hurriyet, citada pela Bloomberg, Albayrak afastou a hipótese de intervir nas contas denominadas em dólares e de controlo de capitais, classificando a queda da lira como sendo um “ataque”, num tipo de discurso claramente alinhado com o de Erdogan, que fala de uma “guerra económica”.
Investigação criminal a notícias e publicações nas redes sociais
Esta segunda-feira, e de acordo com a CNN turca, citada pela Reuters, o Ministério Público turco iniciou uma investigação que visa suspeitos de envolvimento em acções que “ameaçam a segurança da economia” do país. A Turquia, dizem os responsáveis do MP, “está a ser alvo de um ataque económico”, pelo que irão ser tomadas medidas “contra todas as notícias escritas e visuais, bem como as contas de redes sociais que foram usadas para alcançar os objectivos deste ataque”.
A lira turca já caiu cerca de 40% face ao dólar este ano, devido, como diz a Bloomberg, à influência de Erdogan sobre a economia do país, a aposta do governante em taxas de juro baixas e o agravamento da relação com os EUA. “A queda da lira, que começou em Maio, mostra agora estar a conduzir a economia turca para uma recessão, e pode accionar uma crise bancária”, afirmou à Bloomberg Andrew Kenningham, analista chefe da Capital Economics. A dívida pública turca também está a sofrer efeitos negativos, com os juros a um ano a subir para os 15%.
O receio dos investidores, com mercados internacionais a reagir de forma negativa - as bolsas abriram no vermelho, com o dinheiro a fluir para activos mais seguros, algo que afectou também negativamente as moedas da África do Sul e da Argentina, em detrimento do dólar, -, é o de que haja um alastramento da crise, já que a Turquia está fortemente endividada, em euros e dólares, com a queda da lira a tornar os pagamentos mais caros, e difíceis, num contexto de inflação elevada (15%). As importações de produtos também passam a estar mais caras. Neste contexto, um dos problemas pode ser o da exposição de bancos estrangeiros, nomeadamente europeus, a este país, e teme-se que haja um alastramento da instabilidade aos mercados emergentes.
A passada sexta-feira foi um dia negro, após o Presidente norte-americano Donald Trump ter anunciado através do Twitter que ia duplicar as taxas aplicadas às importações de alumínio e aço da Turquia, ao mesmo tempo que afirmava que a lira estava “a deslizar muito rapidamente contra o muito forte dólar”.
A estratégia de Trump insere-se num contexto de tensão diplomática com Erdogan, que inclui divergências face à forma de lidar com a Síria (onde a Turquia segue uma agenda própria, focada sobretudo no combate ao separatismo curdo, ao passo que os EUA vinham apoiando tacitamente estes opositores do regime de Assad) e, mais recentemente, a prisão do pastor evangélico norte-americano Andrew Brunson. Trump tem exigido a Ancara que solte Brunson, preso há quase dois anos por suspeitas de ligações ao movimento curdo e à tentativa de golpe de Estado que ocorreu em 2016, mas apesar das negociações, que continuam, ainda não houve desenvolvimentos. Por seu lado, a Turquia também tem exigido, sem sucesso, que os EUA repatriem Fethullah Gulen, a quem acusam de estar ligado ao golpe de 2016.