Selma Uamusse a ensinar a marrabenta, Salvador Sobral em modo bolero

O Festival Bons Sons, que transforma a aldeia de Cem Soldos todos os anos no mês de Agosto, continua até domingo.

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Selma Uamusse foi um dos destaques PAULO PIMENTA

“Obrigado por estarem aqui, com a cabeça ao sol. Não é fácil”, diz Lince atrás dos seus teclados. É quinta-feira, quase cinco da tarde, e em Cem Soldos, a aldeia que se fecha desde 2006 para se transformar no festival Bons Sons durante alguns dias de Agosto, o público vindo de fora e alguns locais, das janelas de suas casas, olham para a actuação da artista vimaranense. Esta tanto pode estar só a tocar piano e a cantar com emoção – "fico sempre meio abananada", comenta após um tema particularmente intenso – quanto a usufruir das potencialidades da parafernália electrónica, que inclui Nords, Korgs e Rolands, que a acompanha no Palco Giacometti.

Algum tempo depois, começa Tia Graça – Toda a gente devia ter uma, um espectáculo de histórias e de música encabeçado por Luís Fernandes no Palco Amália, que fica do outro lado da aldeia, ou seja depois de se passar por vários festivaleiros a brincarem com jogos tradicionais de madeira espalhados por vários recantos do recinto (em alternativa, também é possível espreitar a jam session do Palco Garagem). Tia Graça é sobre a personagem que lhe dá o nome, com a voz de Luís Fernandes a juntar-se a três instrumentistas que pontuam o que ele diz com oboé, fagote e eufónio.

De volta ao Palco Giacometti, apresenta-se Jerónimo, o barbudo trio de indie/dream pop composto por três irmãos de Leiria (o nome vem do apelido que partilham) que vêm de bandas como Les Crazy Coconuts, Kyoto, Few Fingers ou Nice Weather For Ducks. Entre canções, pedem cervejas à organização, dedicam temas à filha de três meses de um deles e elogiam o público: "coisa mai'linda que vocês são".

No Palco Zeca Afonso, que fica na parte de baixo de uma encosta, numa zona de Cem Soldos que antes estava fechada durante o festival, os portuenses Lemon Lovers cantam, com o seu rock'n'roll com blues, sobre como o amor – o tema da edição deste ano do Bons Sons é "amor de Verão" – é um pecado. É um dos palcos maiores do festival, e dos poucos que tem um ecrã a transmitir imagens das actuações em tempo real.

Noutro palco grande, o Lopes-Graça, também com ecrã, surgem Salvador Sobral e a sua banda, com Bruno Pedroso na bateria, Júlio Resende no piano e André Rosinha no contrabaixo – cada um deles, incluindo o próprio Salvador, com direito a solos ao longo da actuação. O cantor aparece de cabelo cortado – "eia, ele 'tá bué diferente!", comenta alguém no público – e, animado, anda de um lado para o outro no palco a pôr as mãos à frente da boca ou a dançar. O som não está muito alto, tanto que, quando fala entre canções para explicar que queria vir ao festival desde 2015, mal se ouve o que diz.

Também não ajuda o público continuar a conversar como se nada fosse, com pessoas a cantarem a letra de Amar pelos dois enquanto estão a ser interpretados temas como Change ou Cerca del mar. O tema da irmã Luísa Sobral que o levou à vitória na Eurovisão é introduzido com uma piada: “Para todos vocês, Caetano Veloso!”, exclama o cantor, não se vislumbrando vestígios do brasileiro que o apadrinhou. O público canta com ele, seja com a letra certa ou com uma versão adaptada e virada para o álcool: “mamar pelos dois”.

“Vamos acabar com um bolero”, explica Salvador Sobral, dedicando-o a um casal vindo da Guatemala que conheceu no hotel, e pedindo ao público para fazer amor na plateia. Mas não era o último tema. Ainda há tempo para mais duas, avisa, estragando a surpresa do encore. Volta, primeiro sozinho ao piano e depois com o resto da banda, acabando com uma versão muito mais animada de Anda estragar-me os planos, tema que Joana Barra Vaz defendeu na edição deste ano do Festival da Canção.

Antes de Selma Uamusse, o segundo nome a actuar no Palco Lopes-Graça ao longo do dia, houve ainda Fado Violado, uma mistura entre flamenco e fado no Palco Amália. Durante esse concerto, tal como em muitos outros, não era difícil andar-se para longe do palco e encontrar alguém do público a tocar algo que não tinha nada a ver no cavaquinho ou na guitarra.

Sem sapatos

"Estão prontos para aprender algumas coisas de Moçambique?", pergunta Selma Uamusse, referindo-se ao país que a viu nascer. Ensina palavras, danças. A cantora, cujo disco de estreia a solo teima em não sair – estava em "fase de misturas" e quase a sair em Novembro de 2016; em palco, foi prometido para 7 de Setembro –, foi um dos pontos altos do segundo dia do Bons Sons. Em palco, ela tira os sapatos (e pede aos espectadores para tirarem também os seus), recebe um grupo de miúdos, dança e canta temas próprios com uma enorme garra.

A actuação acaba com Baila Maria, uma marrabenta do moçambicano Chico António, com o público a ser chamado ao palco para dançar com a cantora. Os dançarinos imprevistos não são propriamente versados neste estilo de dança surgido no início do século XX, mas a falha é colmatada por Selma Uamusse: “Já que estamos numa aula de dança, vou ensinar-vos a dançar marrabenta a sério”, proclama, ensinando que é só pôr uma mão na cabeça, outra na anca, um pé a mexer e depois rodar, rodar outra vez e trocar. É assim que tudo acaba. “Alguém viu os meus sapatos?”, pergunta após voltar ao palco para apresentar a banda.

Horas antes, durante a actuação de Fado Violado, um membro do público comentava o cartaz do dia com um amigo. "Slow G [sic] também é DJ", dizia. Slow J (e não G) não é propriamente DJ: é rapper, produtor, músico e vocalista, alguém que arrasta até ao Palco Zeca Afonso uma multidão que grita o seu nome. Entra em palco, de guitarra ao colo, seguindo Francis Dale (teclas e guitarra) e Fred Ferreira (bateria).

O festival continua até domingo, com concertos de Zeca Medeiros, Sean Riley & the Slowriders, PAUS, Cais do Sodré Funk Connection e Conan Osiris no sábado; e Dead Combo, Lena d'Água ou Linda Martini no dia seguinte.

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