Poucos estudos sobre uso de água salgada nos incêndios deixam dúvidas
As consequências para o solo dependem do tipo de solo e da quantidade de água do mar usada contra um incêndio.
Na tarde desta terça-feira, banhistas na praia da Rocha (Portimão) testemunharam aviões Canadair a recolher água do mar para o combate aos incêndios que já devastaram milhares de hectares no Algarve. Através de vídeos, ficámos todos a conhecer esse cenário na praia. Algo que leva à questão: deve usar-se água salgada no combate a um incêndio? Isso é prejudicial para o solo? Resposta: depende da quantidade da água do mar lançada, assim como do tipo de solo.
Em Portugal, não estamos muito acostumados a ver aviões a usar água salgada no combate a incêndios, mas no caso de Monchique aconteceu. “Normalmente, os incêndios são mais no interior. Os aviões abastecem-se nas barragens. Mas este é um caso mais particular porque a costa está perto”, refere Paulo Fernandes, investigador na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Vejamos o que acontece quando a água salgada é lançada para o solo. Antes de lá chegar, grande parte evapora. Mas, ao contrário da água doce, a do mar – em que cada litro tem 35 gramas de sal, ou seja, em cerca de 12 mil litros há 420 quilos de sais, a maioria cloreto de sódio – tem uma composição química enriquecida e tem muitos sais que vão ficar à superfície do solo. Esses sais ficam nas cinzas de combustão das plantas, que já são compostas por sais minerais. “Agora, além desses sais, vão ter sais da água do mar”, sublinha Paulo Fernandes.
Este sal a mais pode ter consequências no solo? Depende do tipo de solo e da quantidade de água lançada, considera Eugénio Sequeira, presidente da LPN – Liga para a Protecção da Natureza. “Para onde vai o sal? Se houver chuva suficiente vai para o mar, senão infiltra-se no solo e vai ter problemas com certos sais, em especial se a rocha já tiver um bocadinho de sal e de sódio”, explica. Caso este sal seja suficiente para ter consequências, pode aumentar a erosão, a infertilidade do solo ou acabar por formar dioxinas. “Pode não fazer mal nenhum. Ou pode ser um problema. Tudo depende do sítio, do solo e da quantidade [de água salgada].”
Por isso, Eugénio Sequeira lança algumas questões quanto este uso da água salgada, como: que tipo de solo é? Que quantidades de sais vão ficar à superfície? Havia outra fonte de água próxima? Há escoamento directo para o mar? “O meu problema não é o facto de se aplicar, mas de se aplicar sem se estudar”, diz, sublinhando que tem de se averiguar se apagar o fogo é o mais importante no momento ou se o risco a seguir é mais elevado. “Provavelmente, nem faz mal mas, com uma probabilidade considerável, pode fazer.”
Paulo Fernandes diz que – e salienta que não é especialista em salinização –, só em casos extremos se deve usar água do mar para combater incêndios, devido ao problema que pode causar nos solos. E exemplifica que na Califórnia e noutros países mediterrânicos este método é usado.
“Aparentemente, há muito pouca investigação científica sobre este tema”, reforça. “De qualquer modo, espera-se que descargas de água salgada vão ter efeitos no solo e na vegetação, porque as plantas são pouco tolerantes ao sal, e também nos cursos de água e nas águas subterrâneas.” E salienta: “Mas os efeitos são transitórios.”
Em 2006, os ministérios da Administração Interna e do Ambiente pediram ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) um parecer sobre os efeitos das descargas de água salgada (para combater incêndios) nos solos, as águas subterrâneas, na vegetação e os habitats. No parecer – pedido pelo PÚBLICO ao LNEC, mas que não foi disponibilizado até às 21h30 desta quarta-feira –, concluía-se que os impactos não eram preocupantes nem notórios, segundo uma notícia da agência Lusa na altura.
O parecer teria referido que o cloreto de sódio poderia causar concentrações elevadas de sal – que seriam tóxicas para as plantas –, mas que seriam temporárias. Além disso, considerou-se que o risco da salinização para as águas subterrâneas era reduzido. Nas piores situações, poderiam ocorrer défices hídricos (que provocam a morte das plantas), mas que a floresta em Portugal estaria adaptada.