Cachopo: “Morre-se assustadoramente” e quem chega é de visita

No ano passado morreu o albardeiro, o último ferreiro não tem filhos e a tecedeira, mesmo sendo a presidente da junta, não encontra ninguém para ensinar. Todos têm a luz acesa, mas Cachopo está às escuras.

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Os galos de Vivelinda
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Otília Cardeira, a presidente da Junta de Cachopo
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Os galos de Vivelinda atraem muita gente. “Vêm pessoas lá de baixo de propósito”, de Tavira pela nacional, sempre a subir às curvas. É a melhor maneira (e das poucas) para chegar ao Monte da Ribeira. Os galos vivem numa capoeira a 200 metros do Paraíso da Serra, o restaurante que Vivelinda abriu com o marido há 19 anos, junto a um U bem aberto da ribeira de Odeleite, depois de 20 anos “a trabalhar na terra e na fruta em Perpignan”. Vivelinda até gosta do monte algarvio, onde tem oito vizinhos, mas brilham-se-lhe mais os olhos quando fala de França. “A vida era boa.”

De Outubro a Março, ainda assim, lá vai matando saudades do sotaque. “Há muitos estrangeiros que vêm para aí. Dormem na ribeira, ao pé das canas, com tendas e caravanas.” No Monte da Ribeira, freguesia de Cachopo, passou a haver mais gente em todas as outras estações do que no Verão (tirando as queridas visitas de Agosto). “Já contei umas 14 [autocaravanas]. Vêm cá comer e beber, às vezes encomendam galo assado ou javali, e eu preparo.” O 1.º de Maio é particularmente forte e o Paraíso da Serra até já pôs anúncios na Internet para atrair mais gente à festa. Este ano, houve o baile com Sandrine e o espectáculo do conjunto musical Os Malteses, além dos habituais comes e bebes.

Ainda assim, apesar do silêncio de Junho pregado aos montes, Vivelinda atenta, arregalando os olhos ao sinal de perigo: “Não se pode ficar a dormir em qualquer lado.” Se se quiser ficar ali, ao lado do Paraíso, tudo bem. Ela até deixa usar a casa de banho. Há também quem fique, livre, junto à fonte férrea de Cachopo, onde existe um parque de merendas, um lavatório, churrasqueiras e uma piscina de água natural aberta ao público. Mas a presidente da junta, olhando para este vaivém de caravanistas na serra do Caldeirão, está a adiantar-se num projecto de área de serviço para autocaravanas na aldeia. Acredita que vai “atrair gente”.

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As armadilhas espanholas

“Cachopo atingiu o apogeu nos anos 1950”, década em que chegou o primeiro telefone à aldeia, conta Anabela Rosa, de 48 anos, “das mais novas” entre os 115 habitantes da sede de freguesia. Os registos do núcleo museológico, onde Anabela trabalha, mostram tudo, ou quase: a tradição da ferraria e da tecelagem, fotografias do último albardeiro da terra (que faleceu há meses), o mel, a cortiça, o medronho, o queijo de ovelha, a caligrafia enviada do Ultramar. Agora entra-se em Cachopo pelo cemitério e o dominó de sepulturas relata o mesmo que em todo o interior: “As pessoas morrem assustadoramente.” E, acrescenta Anabela, “já não há burros nem rebanhos, nem mesmo para mostrar aos mais novos”. “Parece mentira, mas é como se vivêssemos na cidade. Nem às laranjas vamos.”

José Zacarias, o último ferreiro do povo, nem quer confessar a idade. “Diga lá quantos me dá...” Pela fundura das rugas, deve andar na casa dos 90, mas a vida corre bem. “Como não há mais ninguém a fazer isto, tenho muitos serviços”, explica. Na encomenda mais recente, um espanhol paga-lhe “sete contos” (35 euros) pelo arranjo de cada mola e Zacarias tem mais de 30 sobre um degrau. “Dos espanhóis vêm muitas destas [armadilhas para lebres], porque eles não percebem lá muito de trabalhar o ferro e o aço. Eu comecei com dez ou 12 anos, tinha amizade a isto, ainda hoje tenho. E agora já tempero uma mola a brincar.”

Porque Zacarias mantém o ofício vivo pela quarta geração, Otília Cardeira decidiu afixar uma placa na parede caiada da ferraria. “As pessoas devem ser homenageadas em vida, não é?”, diz a presidente da junta, uma das primeiras mulheres a chegar ao cargo entre as freguesias serrenhas do Algarve. “Da primeira vez perdi por 12 votos, por ser mulher”, não tem dúvidas. “Isto estava parado no tempo. Mesmo a minha mocidade só começou aos 45 anos. Até aí, a vida foi trabalho, estava na escuridão.”

Agora a luta é outra: trazer gente para Cachopo, além dos visitantes que chegam pela Via Algarviana – “das melhores coisas que aconteceram”; a correr o Algarviana Ultra Trail; ou à procura dos núcleos museológicos, da fonte férrea, do quiosque O Moinho, da tecelagem e do selo 7 Maravilhas de Portugal, que Cachopo foi aldeia pré-finalista. Ainda assim, já houve dias piores. “Já estivemos seis anos sem crianças, agora temos quatro.” Há quem tenha vontade de arriscar na terra, mas, tirando no bairro social de Cachopo, os valores a pagar pelas casas disponíveis não são para qualquer um. Depois, é claro, falta emprego. Como em muitas outras localidades pequenas do interior, “os maiores empregadores são o lar [de idosos] e a junta”, mas há “dificuldade em recrutar pessoas”, até mesmo para a presidência, pensa Otília a longo prazo. “Quem é o jovem que quer ser presidente de uma junta destas por 274 euros por mês?”, questiona-se a algarvia, aos 67 anos. A presidente da junta de freguesia é também a única tecedeira da região “a fazer o linho desde o semear ao tear” e não é fácil encontrar sucessores. O mesmo se aplica ao museu, para onde Otília precisa de um estagiário, mas não encontra. “Tenho feito pressão no litoral. Nós comprometemo-nos a dar casa e emprego.” Quem quer viver na aldeia de Cachopo?

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