Fortnite, o videojogo grátis que vale milhões

O desafio de batalhas até à morte, mas sem sangue, conquistou rappers americanos, futebolistas e jovens de férias. Menos de um ano após o lançamento, já facturou mais de mil milhões de dólares.

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Fortnite, da editora americana Epic Games, tornou-se um fenómeno global nos últimos meses Miguel Manso

Cair de pára-quedas numa ilha remota não é o cenário mais promissor. Pior se torna quando essa ilha é ocupada por outras 99 pessoas, que também lá aterraram, com a única função de eliminar os outros enquanto uma terrível tempestade vai diminuindo o espaço disponível para fugir. É esta a narrativa de Fortnite: Battle Royale, um jogo de tiros online que une milhões de fãs num mundo ficcional em que uma crise ecológica misteriosa ameaça a humanidade e só um jogador, ou equipa, pode sobreviver. Para ganhar, é preciso agilidade, estratégia e – como em qualquer jogo de tiros – boa pontaria.

Fortnite, da editora americana Epic Games (parcialmente detida pela chinesa Tencent), tornou-se um fenómeno global nos últimos meses. Entre os 125 milhões de jogadores, há jovens de férias, jogadores da selecção francesa que celebram vitórias no mundial com danças das personagens, e o rapper norte-americano Drake. Pode ser jogado no computador, em consolas, e em iPhone (está para breve uma versão para Android).

Os criadores preferem não falar do fenómeno. Em resposta ao PÚBLICO, o director de marketing da Epic Games, Nick Chester, disse que a equipa quer "que o jogo fale por si só” e que evitam entrevistas sobre o negócio ou desenvolvimento de Fortnite.

O jogo é extraordinariamente lucrativo, apesar de ser grátis e de não ter anúncios a interromper. Cerca de um ano depois do lançamento, já ultrapassou mil milhões de dólares em receitas, de acordo com dados da analista Superdata. Só na versão para iPhone, o jogo faz dois milhões de dólares em receitas diárias. Em Maio, Fortnite bateu o recorde de maior receita mensal num jogo grátis: 318 milhões de dólares. É mais do que jogos populares como League of Legends e Pokémon Go.

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O jogo começa com um salto para fora de um autocarro voador Fortnite

O dinheiro vem todo dos extras – roupa para os personagens, passos de dança únicos, ou missões novas. Com o número de jogadores a crescer, basta que uma pequena parte faça este tipo de compras.

“O Fortnite é bom porque estes extras só dão estilo. São divertidos de ter e dão estatuto, porque alguns só estão disponíveis por um tempo limitado, mas não dão vantagens em termos de nível ou de capacidades”, explica ao PÚBLICO Luís Santos, de 19 anos. Desde que as férias começaram, o estudante de Desporto tenta, três a quatro vezes por dia, ser o último a ficar de pé nas batalhas de Fortnite. “Os jogos são rápidos. Cada um demora cerca de 30 minutos e há várias coisas para fazer. Não é só um jogo de tiros. Podemos construir abrigos para proteger as personagens. Há muita estratégia por detrás.”

A fama tem-se espalhado. Em França, o Nantes apresentou um novo jogador do clube num vídeo que imita a apresentação das personagens no jogo. Celebridades como Drake, o cantor Joe Jonas e a comediante Roseanne Barr falam no Twitter sobre os desafios. Já há um acordo com a Epic Games para serem criados brinquedos inspirados no mundo de Fortnite.

Tal como nas séries de televisão, há várias temporadas, com zonas e objectos exclusivos e focadas em temas como a era medieval ou super-heróis. Entre fugir e atacar personagens na arena, há missões específicas de cada temporada (por exemplo, encontrar objectos raros) que dão novas capacidades às personagens.

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Podem-se comprar visuais diferentes para os avatares Fortnite

Ganhar não é fácil. “Para ser bom, é preciso jogar muito”, confirma Francisco Pedro (nome fictício), 12 anos, que começou a jogar Fornite há três meses com um primo que mora em Espanha. “Nas férias, como tenho mais tempo, costumo jogar cerca de duas horas. Já consegui ganhar umas dez vezes.” Até agora, Francisco diz que só pediu aos pais para gastar cerca de dez euros. É o suficiente para comprar 1000 moedas virtuais (conhecidas como v-bucks) para gastar no mundo de Fortnite. “Deu para um battle pass, que inclui várias missões e objectos extras.”

A crescente popularidade do jogo entre os mais novos, arrastados pelo número crescente de celebridades a jogar, leva alguns pais a preocuparem-se com o facto de o jogo ter algo de viciante. Na imprensa, começam a circular histórias de jovens a jogar mais de 12 horas por dia. Nos EUA, a pressão dos pares para se vencer as batalhas levou mesmo alguns pais a pagar a jogadores experientes para ensinarem aos filhos como ganhar. Os preços destas explicações rondam os 20 dólares por hora (cerca de 17 euros).

“As pessoas é que se viciam em videojogos, não são os videojogos que viciam as pessoas”, lembra a psicóloga Maria João Andrade, que gere a Grinding Mind, uma associação portuguesa que tem como objectivo promover uma relação saudável com videojogos. “Não existe investigação que defina limites de tempo adequados. Torna-se um problema para crianças ou adultos só quando a pessoa não quer fazer mais nada. É normal que nalgumas idades se jogue mais, porque há mais tempo.”

“Este género é apelativo por desenvolver muito a componente da competitividade e da interacção social. Com 100 pessoas num local a competir até haver só um, todos querem ganhar. Há um nível de narcisismo envolvido”, acrescenta Maria João Andrade, que diz conhecer bem o jogo da Epic Games. “Mas também se pode jogar em equipas de dois ou de quatro e isto permite desenvolver componentes como a liderança e a cooperação. É positivo porque estudos mostram que componentes que se aprendem no jogo passam para a vida real."

No Fortnite, o prémio para os vencedores são guarda-chuvas virtuais que assinalam os anteriores vencedores no começo de uma nova batalha. “Não nos dá poderes especiais. É só um efeito – quando chegamos à ilha, podemos saltar do avião com o guarda-chuva”, explica Francisco, 12 anos.

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Além de competir com outros jogadores, o espaço disponível para fugir na ilha está sempre a diminuir Fortnite Battle Royale

Quando não estão a jogar, tanto Luís como Francisco gostam de aprender dicas dos melhores jogadores através de vídeos no YouTube ou no Twitch, uma plataforma de streaming de videojogos. Ninja – o nome profissional do norte-americano Richard Tyler, de 27 anos, que ganha dinheiro ao filmar-se a jogar diversos videojogos – é o favorito. “Como em tudo, é ao ver os melhores que se aprende”, diz Luís Santos. Estes vídeos também servem para ver momentos que se perderam no jogo. É comum as batalhas de Fortnite terem alguns eventos especiais, como o lançamento de um foguetão que rasga o céu e desbloqueia mistérios por resolver – mas os jogadores que saem mais cedo (por serem derrotados) perdem estes acontecimentos. Há meses em que os fãs vêem mais de 700 milhões de horas de vídeos de outras pessoas a jogar Fortnite.

Fortnite, porém, não é o pioneiro neste género de jogos em que só um sobrevive e que são normalmente chamados “battle royale”. O conceito chegou primeiro às massas em 1999, com o lançamento do romance distópico japonês com este nome, no qual um grupo de estudantes é obrigado a lutar até à morte numa competição organizada por um governo ficcional. Inspirou banda desenhada, séries literárias como Hunger Games e outros videojogos, alguns dos quais lançados antes de Fortnite.

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Fortnite não inventou o género de battle royale Fortnite

Para Luís Santos, o sucesso de Fortnite vem do facto de dar para jogar em várias plataformas e ter um estilo de desenho animado. "Quando alguém ‘mata’ o avatar de outro, ele é apanhado por algo parecido com uma nave espacial, e não há sangue, explica o jovem que até prefere jogos “mais realistas, mas acaba sempre por escolher Fortnite  porque é grátis e não dá vantagens aos jogadores que compram extras. “Não gosto de gastar muito dinheiro em jogos.

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