Descoberta ligação entre um gene e o envelhecimento
Ao aumentar a actividade de um gene numa cultura de células envelhecidas, conseguiu-se rejuvenescê-las.
No fundo, todos gostaríamos de ter a receita do elixir da juventude. Mas antes de isso se tornar possível ainda há muito a esclarecer sobre o envelhecimento. Desta vez, uma equipa coordenada por Elsa Logarinho, do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), no Porto, fez as seguintes questões: por que é que a pele envelhece e por que é que com o envelhecimento perde capacidade regenerativa? Ao estudarem células da pele, os cientistas acabaram por descobrir que o seu envelhecimento está relacionado com a actividade (expressão) do gene FOXM1, como se este fosse assim o “gene da juventude”.
Num estudo publicado na revista Nature Communications, a equipa de Elsa Logarinho usou culturas frescas de um tipo específico de células da pele, os fibroblastos – as mais abundantes que existem na derme (camada intermédia da pele). Além de estudarem cerca de dez amostras de cinco indivíduos saudáveis do sexo masculino – desde recém-nascidos até aos 80 anos –, os cientistas analisaram amostras de uma criança com progeria, uma doença raríssima que provoca o envelhecimento prematuro.
Ao longo de cerca de quatro dias, a equipa filmou essas células e observou a perda da capacidade proliferativa, ou seja, quando as células se dividem pouco e há menos capacidade de regeneração da pele. Por exemplo, as células de um octogenário dividiam-se de forma mais lenta do que as de um recém-nascido. “Uma célula jovem é capaz de fazer a divisão celular em cerca de 25 minutos, enquanto uma velha é capaz de precisar de 40 minutos”, indica Elsa Logarinho.
O que estaria então a acontecer na divisão celular? Através da técnica de microscopia de alta-resolução, conseguiram ver o que estava a ocorrer e que era o seguinte: “Uma das características das células da pele mais envelhecidas são as aneuploidias, um número anómalo de cromossomas, erros [na separação dos cromossomas] que estarão na base do próprio processo de envelhecimento, uma vez que, ao detectar esses erros, as células deixam de proliferar”, explica num comunicado do i3S Joana Macedo, primeira autora do trabalho.
Elsa Logarinho acrescenta: “Medimos a incidência desses erros, vimos se havia um aumento dessas células aneuplóides – o que de facto acontece – e tentámos ver qual era o mecanismo molecular dessas alterações. Observámos que há a alteração da molécula FoxM1, que é um factor de transcrição.” Codificada pelo gene FOXM1, a FoxM1 é uma proteína que regula a actividade de genes necessários para uma divisão celular eficiente. “No envelhecimento, ao longo da idade, vamos perdendo quantidades desse factor de transcrição”, refere a investigadora, explicando que é reprimido à medida que a idade avança e os seus níveis são mais baixos quanto mais envelhecida é a célula.
Observado o mecanismo molecular, a equipa procedeu à reposição da FoxM1. “Modelámos a instrução do gene FOXM1 e aumentámos os níveis em células envelhecidas. O que aconteceu? As células envelhecidas passaram a dividir-se com mais frequência e eficiência, ou seja, os erros deixaram de acontecer”, conclui Elsa Logarinho. Nas amostras das células da doença de progeria, a reposição da FoxM1 também rejuvenesceu essas células. “Tanto funciona no envelhecimento natural como no prematuro”, sublinha.
Doenças cardiovasculares e diabetes
Por que é que impedir os erros na separação (ou segregação) dos cromossomas pode inibir o envelhecimento? Porque a equipa verificou que quando as células velhas fazem erros atingem um estado de envelhecimento total – que se caracteriza pela paragem da divisão celular. São as chamadas “células senescentes” e estão associadas a doenças cardiovasculares ou à diabetes. “Por isso, com esta modelação e ao pormos este factor [de transcrição], mostrámos que deixámos de induzir os erros de segregação cromossómica e atrasámos a acumulação destas células senescentes. Funciona como uma terapia para atrasar o envelhecimento”, explica a cientista.
“Por que é que a reposição desta molécula poderia funcionar como um elixir da juventude? Está a aumentar a capacidade proliferativa num tecido como a pele – que é o nosso maior órgão e o que está mais sujeito aos danos do exterior – e a aumentá-la com eficiência.”
Em comunicado, a equipa adianta que este trabalho abre novas perspectivas para potenciais estratégias terapêuticas de doenças associadas ao envelhecimento como o desenvolvimento de cataratas, de aterosclerose (acumulação de gordura nas artérias ligada às doenças cardiovasculares) e da diabetes. Elsa Logarinho diz que, por exemplo, poderá ser criado um composto que permita repor os níveis de FoxM1 nas células. “Estamos interessados em desenvolver terapias farmacológicas que, de alguma forma, consigam repor o nível deste gene nas células e aumentar a expressão do gene ao longo do envelhecimento.”
Mas, por agora, o próximo passo será fazer o mesmo teste em ratinhos. Afinal, passo a passo lá se vai ficando mais perto da receita da juventude.