Quem mais deve ao Instituto do Sangue é o próprio Estado

Auditoria do Tribunal de Contas revela que 93,3% das dívidas por cobrar do instituto são de SNS e ascendem a 77, 7 milhões de euros. Só o Centro Hospitalar Lisboa Norte acumulou quase metade das dívidas totais. TdC quer que instituto cobre juros de mora.

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MARIA JOAO GALA

O Serviço Nacional de Saúde tem uma dívida de 77,7 milhões de euros ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), revela uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC), divulgada nesta quarta-feira, que se reporta a dados do final de 2016.

A dívida de um serviço tutelado pelo Ministério da Saúde a um instituto que está igualmente sob alçada do mesmo ministério, mas que não é financiado pelo Orçamento do Estado, é a maior de um bolo total de mais 83,3 milhões de euros que o IPST tem por cobrar: representa 93,3%. Os restantes 3,3 milhões são de entidades privadas.

Só o Centro Hospitalar Lisboa Norte, o maior devedor ao IPST, acumulou dívidas de 37,8 milhões de euros. Para isso recorreu ao “clearing house”, um sistema criado em 2016 que permite a monitorização e compensação financeira de dívidas entre entidades públicas empresariais do SNS, IPST e Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Fê-lo “com o propósito de não lhe serem deduzidos os montantes em dívida nos adiantamentos mensais ao contrato-programa”, afirma a auditoria. 

O TdC diz que o CHLN "subtraiu dívidas ao IPST" na informação que prestou à Administração Central do Sistema de Saúde "com o propósito de não lhe serem deduzidos os montantes em dívida nos adiantamentos mensais aos contrato-programa". O CHLN reagiu, em declarações à Lusa, referindo que "em momento algum" subtraiu ou manipulou "informação e os valores sempre estiveram espelhados nas contas da instituição".

Segundo o TdC, o Ministério da Saúde sabe da "'manipulação' de ficheiros realizada pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte" e dos "constrangimentos ao desenvolvimento das actividades do IPST", tolerando estas práticas.

No segundo “lugar” de devedores estava, no final de 2016, o Centro Hospitalar do Oeste com cerca de 8,4 milhões de euros, refere a auditoria do TdC.

Instituto responsável por não cobrança

O tribunal imputa ao IPST a responsabilidade de não assegurar a cobrança da receita em tempo útil, de não ter mecanismos de controlo adequados, nem de adoptar as iniciativas administrativas necessárias.

A auditoria foi feita com o objectivo de examinar a natureza e antiguidade das dívidas ao instituto, e identificar o impacto no desenvolvimento da sua actividade e na sua situação económico-financeira, refere o TdC.

O IPST regula a actividade da medicina transfusional e de transplantação e assegura a colheita, análise, armazenamento e distribuição de sangue, componentes sanguíneos, órgãos, tecidos e células. Em 2016 tinha nos seus registos mais de 235 mil dadores inscritos e 864 transplantes realizados, lê-se no documento.

O seu resultado líquido passou de positivo em 2014 (com 10,3 milhões) para negativo nos dois anos seguintes: em 2015, com menos 3,9 milhões, em 2016, com menos 12,3 milhões. Isto foi uma consequência, em parte, do incumprimento, em 2015 e 2016, das regras de constituição de provisões “para cobranças duvidosas previstas no Plano Oficial de Contabilidade do Ministério da Saúde”, escrevem os auditores. 

As entidades públicas demoraram a pagar ao IPST. O prazo médio situou-se em mais de três anos – o que equivale a cerca de 1230 dias –, destacando-se o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, com 5875 dias, ou seja, quatro vezes mais, o Centro Hospitalar do Oeste, com 5089 dias, e o Centro Hospitalar Lisboa Norte, com 3386 dias.

Prejuízo para erário público

Para o TdC, o facto de o instituto não ter procedido à cobrança coerciva de juros de mora, e de ter optado pelo perdão dos mesmos, representou um prejuízo efectivo para si “e consequentemente para o erário público, fazendo incorrer os membros do Conselho Directivo do instituto em eventual infracção financeira”.

Por isso, recomendou ao Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, e ao Conselho Directivo da Administração Central do Sistema de Saúde, presidido por João Paulo Almeida e Sousa, “que assegure o cumprimento das obrigações de regularização de dívidas entre instituições do SNS de forma coerente, sem situações de excepção ou de tratamento diferenciado face ao cumprimento das regras de financiamento de cada instituição”.

Entre as recomendações do TdC ao conselho directivo do IPST está o pedido de um cálculo, débito e cobrança de juros de mora sobre as dívidas vencidas e a implementação de procedimentos sistemáticos que assegurem a cobrança da receita e a recuperação da dívida vencida. Outra possibilidade: que instaure acções executivas que assegurem a cobrança do capital em dívida e dos juros de mora.

O TdC afirma que o ministro e o presidente do conselho directivo do IPST “informaram estar empenhados em dar resposta e em adoptar” as suas recomendações.

Além de acatar aquelas sugestões, o presidente do IPST referiu que irá rever os contratos de prestação de serviços celebrados com entidades públicas e privadas, no sentido de garantir o cumprimento das obrigações da contraparte, acrescenta o documento. 

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