Zimbabwe: Desta vez, quem foi aos comícios da oposição não foi espancado
Nas áreas rurais do Zimbabwe vivem mais de metade dos 13 milhões de habitantes do país. Antes, políticos nem vê-los. Agora é ali que se podem decidir as eleições desta segunda-feira.
O principal partido da oposição do Zimbabwe conseguiu pela primeira vez fazer campanha nas zonas rurais, onde antes nenhum político aparecia. Tenta ali aumentar a sua possibilidade de vencer as eleições desta segunda-feira.
A mudança, que se seguiu ao fim dos 37 anos de reinado de Robert Mugabe, permitiu ao tradicionalmente urbano Movimento para a Mudança Democrática (MDC) juntar grandes multidões em zonas onde se estima que viva mais de metade dos 13 milhões de habitantes. O novo Presidente, Emmerson Mnangagwa, prometeu realizar eleições livres — condição para atrair investimento estrangeiro e reconstruir uma economia que está de rastos.
“As pessoas estão interessadas em ver estes tipos [os candidatos] porque nunca os viram antes”, diz ao telefone o pequeno agricultor Jeremiah Mahacha, de 56 anos, a partir de Gokwe, na região centro do Zimbabwe. “Antes, vestir as t-shirts vermelhas deles significava sermos espancados ou mortos, mas agora queremos vê-los e ouvir o que têm a dizer com os nossos próprios olhos e ouvidos”.
O MDC foi criado por activistas dos direitos do trabalho e dos direitos civis em 1999, para se oporem ao cada vez maior autoritarismo de Mugabe e à forma desastrosa como conduzia a economia.
O partido ganhou a sua primeira batalha política no referendo de 2000, quando a população rejeitou uma mudança à Constituição que colava Mugabe ao poder para sempre.
Na altura, gente ligada e apoiada pelo Governo ocupou milhares de quintas e fazendas que eram propriedade de brancos, e cerca de três milhões de pessoas, sobretudo trabalhadores rurais do Malawi, Zâmbia e Moçambique foram expulsos, segundo as Nações Unidas.
Nas últimas três eleições, as forças de segurança e a juventude da União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Patriótica (ZANU-PF) confinaram as campanhas da oposição às maiores cidades, batendo e prendendo os membros do MDC e perturbando os comícios e sessões de esclarecimento.
A violência eclodiu em 2008, quando a oposição diz que 200 dos seus apoiantes foram assassinados e as casas de várias centenas foram atacadas. Farai Mondizvo (67 anos), agricultor de subsistência de Gutu, a Sul da capital, Harare, disse que desta vez os receios da população caso fossem a comícios do MMD se revelaram infundados — apesar de não haver a certeza se vão votar na oposição.
“Ninguém foi espancado, nada”, disse ao telefone. “A polícia ficou apenas ali a olhar. Claro que o que prometem é exactamente o mesmo que a ZANU-PF promete, e é o mesmo que nos dizem há mais de 30 anos sem que nada tenha acontecido, porque as políticas parece que vão ser as mesmas, independentemente de quem vença”, disse Farai Mondizvo.
Mugabe saiu do poder em Novembro do ano passado, depois de ter tentado feito da mulher, Grace, sua sucessora e o partido ter forçado a sua demissão após os militares terem assumido o controlo do país por um breve período de tempo. A violência política praticamente desapareceu desde que Mnangagwa, antigo vice-presidente, ministro da Justiça e chefe dos serviços de espionagem assumiu a chefia do Estado.
Cerca de 5,6 milhões de pessoas registaram-se para votar nas eleições em que se escolhe um novo Presidente, um novo Parlamento e os governos locais. Os favoritos à vitória na eleição presidencial são Mnangagwa, de 75 anos, e o líder do MMD, Nelson Chamisa, advogado e pastor de 40 anos. Se nenhum dos candidatos conseguir mais de metade dos votos, haverá segunda volta a 8 de Setembro.
Apesar do MDC ter tido liberdade para fazer a sua campanha, só 30% dos habitantes das zonas rurais disseram, numa sondagem realizada pela empresa Afrobarometer, que votariam neste partido. Outros 48% disseram que vão apoiar o partido no poder. Nas zonas urbanas, o MDC conseguiu 63% das intenções de voto e o Zanu-PF 37%.
O facto de a zona rural ser bastante maior do que a urbana “dá vantagem” ao partido no poder, concluiu o Afrobarometer.
Porém há que contar com os indecisos, que podem ser influenciados pela ausência de violência, o facto de a campanha da oposição ser agora visível e de haver a novidade de a ZANU-PF ser relegada para o papel de oposição pela primeira vez desde o fim do domínio político da minoria branca nos anos de 1980.
Em Chipinge, na fronteira leste com Moçambique, a campanha do MDC agradou aos habitantes, de acordo com Ambitious Tererai, de 44 anos que cultiva café.
“Vê-los a fazer comícios é uma novidade. Antes nem cá chegavam — é refrescante”.
Os problemas económicos do Zimbabwe — o desemprego crescente, a falta crónica de dinheiro e as infra-estruturas decrépitas — também podem ser um revés para o partido no poder nas zonas rurais, onde a pobreza é mais acentuada e os serviços do Estado funcionam pior do que nas zonas urbanas.
“Os tempos estão difíceis”, disse Mahacha, o agricultor de Gokwe. “Nas zonas rurais não há dinheiro e a maior parte de nós, agricultores, só subsiste. Só estamos a sobreviver”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post