Investidores na diáspora financiam digitalização de obras raras
Coordenado pela secretaria de Estado das Comunidades, o projecto abarca os gabinetes de leitura portugueses de Belém do Pará, Recife e Salvador da Bahia
O espólio histórico dos gabinetes de leitura portugueses no Brasil de Belém do Pará, Salvador da Bahia e Recife vai ser digitalizado, num projecto coordenado pela Secretaria de Estado das Comunidades, e financiado por empresários portugueses no estrangeiro e lusodescendentes, através do Gabinete de Apoio ao Investidor na Diáspora.
Dirigida no Brasil pelo embaixador Jorge Cabral, “a iniciativa foi validada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e pelo primeiro-ministro, António Costa, e é feita em parceria com o Ministério da Cultura e com o Instituto Camões”, explicou ao PÚBLICO José Luís Carneiro, secretário de Estado das Comunidades.
Para dar início à digitalização, “já em Setembro seguirá para o Brasil uma equipa de técnicos para identificar obras de maior valor que não estejam digitalizadas nos três gabinetes de leitura portugueses”, adiantou José Luís Carneiro, revelando que essa deslocação foi acordada numa reunião que manteve sobre este projecto com o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.
“Além do conhecido Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, há mais três importantes gabinetes portugueses de leitura no Brasil, também propriedade e administrados por portugueses e lusodescendentes”, refere o secretário de Estado das Comunidades: “Um em Salvador da Bahia, com 40 mil títulos, outro no Recife, com mais de 80 mil títulos, e o terceiro é o Grémio Literário e Recreativo Português de Belém do Pará, com 40 mil títulos.”
Em todos eles existem “manuscritos e primeiras edições de grande parte dos mais importantes escritores portugueses, como Camões, padre António Vieira, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, além de documentos manuscritos e cartas de marear desde o tempo das descobertas”, pormenoriza José Luís Carneiro.
“Nomeadamente, o Grémio Literário e Recreativo Português de Belém do Pará, instituição com mais de 150 anos, contém um riquíssimo e imenso espólio”, em que se incluem “primeiras edições de Maquiavel, livros da escola de navegação, a maior colecção conhecida no Brasil de Camilo Castelo Branco, com um total de 360 títulos, tem uma bíblia ilustrada, de 1587, e tem uma primeira edição ilustrada do Dom Quixote de 1723”, acrescenta.
Daí que numa visita a Belém do Pará, visitou o Grémio Literário e Recreativo Português e conheceu a conservadora, Ethel Valentina Soares. Soube então que, financiada pela Imprensa Oficial do Estado do Pará, o Grémio estava “a fazer uma reedição fac-similada da obra A Arte de Cosinha, de 1876, da autoria de João da Matta, um cozinheiro português que trabalhou para a família imperial brasileira”, relata, prosseguindo: “A senhora conservadora, uma pessoa encantadora, explicou-me que a edição se destinava a arranjar financiamento para digitalizar o espólio raro existente naquela biblioteca.”
José Luís Carneiro assume que “esta ideia da digitalização” foi ao encontro de uma preocupação que tinha desde o início de funções, por causa do incêndio que destruiu todo o espólio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo”. E decidiu abraçar o projecto. “Disponibilizei logo a embaixada portuguesa em Brasília para realizar o lançamento, o que ocorreu em Abril, numa cerimónia com mais de 300 pessoas, em que a TAP garantiu a presença do chefe Vítor Sobral, que confeccionou alguns pratos do livro para vários embaixadores e individualidades convidados”.
Apostando na resposta positiva que vai encontrar por parte de empresário portugueses e lusodescendentes espalhados pelo mundo, o secretário de Estado das Comunidades salienta outro problema, entretanto já resolvido durante o seu mandato, o da “recuperação e afirmação” do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.
“Uma das primeiras preocupações, quando tomei posse, foi a situação de degradação do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, uma instituição que data da segunda metade do século XIX, possui 450 mil títulos e é propriedade de três instituições de portugueses e lusodescendentes, a Beneficência Portuguesa, a Escola Portuguesa do Rio de Janeiro e o próprio Gabinete Real de Leitura”, diz José Luís Carneiro.
Hoje em dia, este problema está ultrapassado e a sua “solução já está fechada”, afiança. Foi formada “uma associação das três instituições que são proprietárias desta instituição e o Estado português tem um representante na direcção com poder de veto”, afirma o secretário de Estado, prosseguindo: “Garantiu-se a continuidade geracional, pois a direcção tinha já idade avançada. A nova gestão já está a funcional normalmente.”
Resta agora ver a resposta dos empresários na diáspora para ver até onde pode chegar o projecto de digitalização dos três outros gabinetes de leitura portugueses no Brasil.