Sim, nós somos a Grécia
Seria bom ver chegar o dia em que os políticos portugueses, antes de tentarem usar a comparação com a Grécia de forma negativa, ou reagir a ela como se negativa fosse, exigissem antes que Portugal fosse a Grécia quando a Grécia precisa de nós.
Ontem o deputado Carlos Abreu Amorim publicou um texto no Facebook em que amalgamava a situação de Portugal e da Grécia dizendo, no essencial, que “em 2011 imitámos a bancarrota grega de 2010” e que “agora são os gregos que nos seguem na tragédia assassina dos incêndios descontrolados”, deixando implícito que as semelhanças se deveriam a condições políticas e governativas que Grécia e Portugal partilhariam. O texto do deputado foi imediatamente criticado por ser considerado um aproveitamento político de uma situação trágica, e acabou por ser retirado pelo autor. Porque toda a gente tem direito a errar e - espera-se - a reconhecer o erro, essa história acaba aqui.
O que eu gostaria de comentar, porém, tem a ver com uma pergunta: por que razão é tão fácil e frequente considerar-se que se Portugal for a Grécia isso só pode ser por razões negativas e, inversamente, por que razão é tão frequente encontrar políticos em posições de responsabilidade que fazem da sua missão negar que Portugal seja a Grécia? Este preconceito nasceu, como se lembrarão, no tempo da crise da zona euro, quando a Grécia foi resgatada primeiro e a política oficial portuguesa passou a ser explicar - inutilmente, como se veria - que Portugal não seguiria o mesmo caminho. Mais tarde fomos nós a ocupar o mesmo lugar indesejável, com políticos de outros países a explicar, por exemplo, que “a Espanha não é Portugal”. O facto de os países europeus se tratarem uns aos outros como no passado se tratavam os leprosos acabou por aproximar excessivamente a zona euro de um possível colapso.
Deveríamos ter aprendido a lição. A verdade é que nós somos, sim, a Grécia. E, no que diz respeito aos incêndios deste Verão, também somos a Suécia. Quanto mais depressa o admitirmos, mas eficazmente agiremos em conformidade, e mais fortes ficaremos todos.
Somos a Grécia porque hoje é mais do que evidente que os incêndios massivos que vimos o ano passado em Portugal e este ano na Grécia, na Suécia e nos países bálticos têm causas e condições comuns: há mais incêndios quando há vagas de calor e menos quando o Verão é pouco quente, como até agora em Portugal. A única coisa que nos protege neste momento é a relatividade arbitrariedade da distribuição dos fenómenos meteorológicos.
Somos a Grécia porque partilhamos com a Grécia uma União Europeia que, mesmo com todos os seus problemas, é a organização transnacional mais avançada do mundo, com a sua moeda, parlamento e instituições próprias, e um embrião de união política. Se essa União se dotar de recursos próprios consideráveis e com eles constituir uma força de proteção civil com meios à escala do continente, todos estaremos mais seguros.
Somos a Grécia porque, enquanto a europeízação da proteção civil nas grandes catástrofes não suceder, podemos e devemos responder com solidariedade entre Estados. O Estado grego foi solidário com Portugal no ano passado, é bom saber que Portugal está a ser solidário com os países da UE que estão a sofrer com a vaga de incêndios deste ano.
Somos a Grécia por muitas outras razões, históricas, políticas e morais. Mas, para já, as três que aqui ficam bastam. E seria bom ver chegar o dia em que os políticos portugueses, antes de tentarem usar a comparação com a Grécia de forma negativa, ou reagir a ela como se negativa fosse, exigissem antes que Portugal fosse a Grécia quando a Grécia precisa de nós.