“Os Tiger Lillies são muito provocadores mas com uma poesia e uma beleza fascinantes”
Mísia escolheu um disco dos britânicos The Tiger Lillies, que a fascinam pelo lado negro e a teatralidade musical e poética. Inspirado em Edward Gorey e com o Kronos Quartet.
Nascida no Porto e depois da adolescência fixando-se em Barcelona, Madrid e por fim Lisboa, Mísia tem feito uma bem-sucedida carreira internacional através do fado mas não só. Até porque, se no fado cantou vários poetas e compositores (Agustina Bessa-Luís, Lídia Jorge, José Saramago, Vasco Graça Moura, Amália, Mário Cláudio, Hélia Correia, Amélia Muge, Sérgio Godinho, Vitorino, etc.), também trabalhou com nomes como Maria João Pires, Bill T. Jones, Maria Bethânia, Adriana Calcanhotto, Fanny Ardant, Ute Lemper, Maria de Medeiros, Agnés Jaoui, John Turturro ou Iggy Pop, entre muitos. Por isso, no momento de escolher um disco que a tenha marcado, a escolha incidiu no grupo britânico The Tiger Lillies, formado em 1989. E num disco chamado The Gorey End.
Edward Gorey (1925-2000), escritor e artista americano que produziu mais de cem obras onde o macabro e o humor surgiam enlaçados (antecipando-se a Tim Burton), ouviu um dia o tema Banguing in the nails, dos Tiger Lillies e gostou tanto que resolveu contactá-los, explica Mísia. “Enviou-lhes uma caixa com desenhos, alguns dos quais não tinham sido editados, e eles inspiraram-se nesses desenhos para fazer as músicas. E convidaram o Kronos Quartet. Foi uma conjugação muito grande de talentos, num disco temático, que vai buscar outros mundos, outros universos, e é isso que eu gosto imenso neles.” É, diz ainda Mísia, “um processo criativo que se alimenta de outros mundos, do teatro, do cinema, da fotografia (fizeram uma colaboração com a Nan Goldin), fizeram um disco chamado Freakshow [2009], baseado no Freaks do Tod Browning [1933].” A ligação a Gorey surgiu com naturalidade. “Têm ambos aquele gosto pelo humor negro, pelo lado um bocado cínico da sociedade, da disfunção familiar. Por isso não me admira que ele tenha ficado fascinado com o trabalho deles. É o que acontece na nossa profissão quando encontramos reflexos, que ao mesmo tempo nos inspiram e nos dão força para continuar.”
Pura Vida, o novo disco
Mísia conheceu o disco por intermédio da actriz britânica Miranda Richardson, de quem é amiga. “Ela e um grupo de amigos ingleses eram fãs dos Tiger Lillies, e foi através dela que os conheci, há uns doze ou treze anos. Depois fui seguindo a discografia deles. Agora fizeram um disco chamado Corrido de La Sangre, que tem canções como Santa muerte, com uma parte macabra muito acentuada mas poética. É destes contrastes que eu gosto, porque conseguem ser muito provocadores mas com uma poesia e uma beleza fascinantes.”
É um trabalho teatral, com muita encenação. “E com inspiração do cabaré; e eu, sendo filha e neta de cabareteras [a mãe e a avó de Mísia, ambas naturais de Barcelona, foram, respectivamente, bailarina de música clássica e artista de music hall e burlesque]… Mas também do circo, da música cigana, da música de rua e da música dos tempos de Kurt Weill e Bertolt Brecht, da quel estou bastante próxima, porque interpretei os 7 Pecados Capitais em Munique. É esta comunicação entre a música, a performance, o teatro e a palavra o que mais me fascina nos Tiger Lillies, não é só uma interpretação de voz.”
Com doze discos em nome próprio e uma colectânea em CD duplo editada em finais de 2016 (Do Primeiro Fado ao Último Tango), Mísia trabalha agora num novo disco, a gravar ainda este ano mas a editar só em 2019. “É um álbum que se chamará Pura Vida (Banda Sonora), porque tem uma atmosfera muito cinematográfica, muito visual e terá músicas de fado tratadas como pura música, com inclusão de outros instrumentos. E vai ter uma parte em castelhano, porque também faz parte do meu ADN, com alguns temas de Espanha e da América Latina. E espero que com algumas colaborações.”