EUA autorizam publicação de planos de impressão 3D de armas

Administração Obama temia disseminação de informação que permite fabrico caseiro de armamento letal. Governo Trump entende que a Constituição permite a divulgação dos códigos.

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Um exemplo das armas que podem ser criadas com uma impressora 3D REUTERS/Kyodo

Os guias que permitem construir uma arma através de uma impressora 3D vão regressar à Internet por decisão do Departamento de Justiça norte-americano, depois de uma batalha legal de cinco anos entre a Defense Distributed, uma organização sem fins lucrativos que defende o livre acesso a informação que permita fabricar armas através daquela tecnologia —, e o Departamento de Estado norte-americano (o equivalente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros Português). A decisão foi tomada a 22 de Junho mas só agora foi tornada pública. Os manuais voltam a estar online a 1 de Agosto, afirma a associação.

Foi há cinco anos que Cody Wilson, então um estudante de Direito de 25 anos, fundador da Defense Distributed, conseguiu criar pela primeira vez uma arma através de uma impressora 3D. Tinha aprendido a dominar a tecnologia na Universidade do Texas. Chamou The Liberator ("A Libertadora") à primeira arma. O código que utilizou foi depois publicado num site que criou para o efeito, o Defcad.com, que apresentou como uma espécie de WikiLeaks para o fabrico de armas caseiras. Os manuais foram descarregados mais de 100 mil vezes até o Governo norte-americano, então liderado por Barack Obama, intervir e ordenar a sua remoção.

De acordo com o Departamento de Estado, os ficheiros em causa violavam uma lei que proíbe a exportação não autorizada de materiais com fins militares — na prática, e através daqueles manuais, argumentava-se que estava a ser exportada tecnologia bélica norte-americana. Para lá do argumento legal exposto, o Governo temia ainda que a tecnologia viesse a contribuir para o agravamento do problema do fácil acesso a armas nos EUA. O tiroteio na escola de Sandy Hook, em 2012, tinha alterado o paradigma do debate sobre a posse de armas, com a Administração Obama a apertar o cerco aos fabricantes, que eliminaram da Internet quaisquer dados que facilitassem a produção caseira de armamento.

Wilson também apagou os seus ficheiros mas deu início a uma batalha legal: processou o Governo por violação da primeira emenda da Constituição, que protege de forma explícita a liberdade de expressão. O fundador da Defense Distributed (que tem uma licença para fabrico de armas) afirma que o Estado o impediu de difundir informação e conhecimento.

Wilson, hoje com 30 anos, argumentava que o código de impressão podia ser qualificado como uma obra artística e política, colocando-o sob a alçada da primeira emenda, e que ao mesmo tempo teria de ser “manipulado" e alvo de intervenção humana "para se tornar noutras coisas”. “Não se pode qualificar 16 linhas de código como uma arma",? defendeu em declarações ao jornal Washington Post

O Departamento de Justiça da Administração Trump vem agora concordar com Wilson. Na decisão em que volta a autorizar a publicação dos manuais, o Governo argumenta que os norte-americanos têm o direito de “aceder, discutir, usar e reproduzir” dados técnicos sobre armas, segundo cita a BBC. Wilsonterá todas as despesas legais pagas pelo Estado, que restituiu ainda o inventor em 10 mil dólares relativos a taxas de registo de patente.

Wilson tinha contado com a ajuda, durante o processo, da Fundação da Segunda Emenda (SAF na sigla original), uma organização criada em 1974 e dedicada à promoção do livre acesso ás armas. “Isto não só é uma vitória para a primeira emenda e para a liberdade de expressão, como também é um golpe devastador para o lóbi que quer proibir as armas”, disse o fundador SAF, Alan M. Gottlieb. “O Governo já não vai conseguir, de forma efectiva, banir as armas nos EUA porque toda a gente vai conseguir fazer download do código e construir uma arma em casa”, acrescentou.

O ficheiro CAD (computer-aided design ou desenho assistido por computador) que ensina a construir uma arma vai voltar a estar disponível a 1 de Agosto, de acordo com a informação do site da Defense Distributed: “A Era das Armas descarregáveis começa formalmente”, lê-se no site.

Abre-se assim a porta à criação de "armas fantasma" (ou "ghost guns"), sem número de série ou licença de porte e uso. Algo que inquieta os opositores da proliferação de armamento letal. “É uma mudança de 180 graus para o Departamento de Estado”, disse Adam Skaggs, conselheiro-chefe do observatório Giffords Law Center to Prevent Gun Violence ao jornal Washignton Post. “Agora vai ser muito mais fácil para pessoas perigosas, que outrora não tinham autorização para ter armas, acederem a elas”.

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