“O turismo dá-nos uma oportunidade para fazer sobressair a produção artística portuguesa”
Na segunda parte da sua entrevista ao PÚBLICO, João Ribas, o director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, discute a pressão que o turismo coloca sobre as instituições culturais e as transformações que a instalação definitiva da Colecção Miró e a abertura da Casa do Cinema Manoel de Oliveira trarão à fundação.
Em 2017, o Museu de Serralves recebeu 834.328 visitantes, 26% dos quais estrangeiros. João Ribas diz que é preciso aproveitar este momento de curiosidade por Portugal.
O Porto, tal como Lisboa, está sujeito a uma pressão turística sem precedentes. De que maneira é que isso pode mudar um museu de arte contemporânea como Serralves, que está claramente no circuito turístico da cidade?
Mudar em que sentido? Muda o número de visitantes, o que é óptimo.
Tem ideia da actual proporção de visitantes estrangeiros no total de entradas em Serralves?
Não me lembro. Nós temos muitos, muitos, muitos visitantes nacionais, não só do Porto como de todo o país [segundo a informação disponibilizada após a entrevista, Serralves recebeu 682.713 visitantes em 2016, 23,7% dos quais estrangeiros; e 834.328 visitantes em 2017, 26% dos quais estrangeiros]. Mas qual é o sentido da pergunta?
De repente há um grande contingente de visitantes estrangeiros. O museu tem de se adaptar?
Só consigo pensar em coisas muito pequenas, muito pragmáticas.
Não muda o espírito da programação?
Num certo sentido, acho que deve mudar. Temos aqui uma oportunidade – e a obrigação – de fazer sobressair a produção artística portuguesa. É fundamental aproveitar esta dinâmica do turismo e este aumento da curiosidade por Portugal para isso.
É um paradoxo, de certa forma: ter mais visitantes estrangeiros significa dar mais destaque aos artistas portugueses.
Eu acho natural. A exposição da colecção que está agora no museu [Zéro de Conduite: Obras da Colecção de Serralves, patente até 9 de Setembro] tem-me permitido ver como as pessoas reagem ao descobrir a Paula Rego, o [Eduardo] Batarda, a Maria José Aguiar, a Isabel Carvalho, a Ana Jotta, o Alexandre Estrela. Fico muito feliz quando isso acontece. É uma boa maneira de responder a esta pressão turística: falar da especificidade da nossa cultura, e destacá-la.
O Museu de Serralves apresenta-se – é a primeira frase que aparece no site – como o mais importante museu de arte contemporânea em Portugal. O Museu Nacional de Arte Antiga apresenta-se como o primeiro museu de Portugal, ou como o grande museu de Portugal. Esta afirmação das marcas, que de certa maneira exclui os outros museus, não cheira um bocadinho a desespero?
Não sei. Nós nunca dissemos que somos o primeiro.
Dizem que são o mais importante, o que é parecido.
Não tenho resposta para isso.
É importante para Serralves afirmar-se como o lugar fundamental para perceber a história de arte portuguesa?
O museu tem trabalhado para merecer esse lugar. E vai continuar a trabalhar para isso.
Já viu o projecto de adaptação da Casa de Serralves para receber a colecção Miró?
Não. Esse trabalho está em curso, ainda não há projecto definido.
Não se sabe quando é que vai estar pronto?
Não.
Como é que a criação da Casa do Cinema Manoel de Oliveira vai transformar o museu? Reforçará a importância do cinema e dos novos media em Serralves, que tem uma tradição de programação multidisciplinar, nomeadamente em áreas como a performance e a música?
A Casa do Cinema é um óptimo desenvolvimento, porque o cinema fez sempre parte desta instituição e para nós o Oliveira é da família. Acho que nos ajuda a fundamentar o facto de o cinema, a imagem em movimento, fazer parte da nossa programação.
O serviço de artes performativas neste museu tem sido um dos pontos fortes da programação nos últimos 20 anos. Acho que é reconhecido mundialmente como um programa de referência, a Cristina Grande e o Pedro Rocha são extraordinários. Grandes figuras da dança e da performance passaram por Serralves, muitas vezes pela primeira vez, de uma forma enquadrada. Esse trabalho é para continuar e a minha intenção é ter muitos mais cruzamentos nas práticas artísticas. Eu não vejo divisões, penso de uma forma muito mais transversal. E depois é brincar um bocadinho com as regras do jogo: por que não fazer uma exposição de um coreógrafo, ou uma coreografia de uma exposição?
Vicente Todolí saiu daqui para a Tate Modern, João Fernandes saiu daqui para o Museu Rainha Sofia. Onde é que se vê depois de Serralves?
Vejo-me aqui todos os dias. Acredito que o museu como instituição, como ideia, tem de ser repensado e espero que a minha geração possa começar a fazer esse trabalho. Esta casa foi posta em boas mãos durante muito tempo, sinto a grande responsabilidade que é estar nas minhas neste momento. Não consigo pensar em mais nada fora dessa responsabilidade. Estar noutro sítio? Não, eu estou é a pensar em quem quero trazer para aqui.