Uma maioria absoluta para António Costa
O país descrito por António Costa é magnífico, sem dúvida alguma – o meu problema é não saber onde ele fica. Alguém me arranja um mapa que vá dar àquele Portugal?
Ao ouvir António Costa discursar sobre o Estado da Nação, senti-me transportado para os Alpes suíços, cercado de bonança existencial, fragrâncias primaveris, brisa fresca, cabrinhas a balir e vacas voadoras. Só faltou aparecer Heidi, mais o seu avozinho. O país descrito por António Costa é magnífico, sem dúvida alguma – o meu problema é não saber onde ele fica. Alguém me arranja um mapa que vá dar àquele Portugal?
Esperem, eu talvez saiba que mapa é esse: é um mapa puramente retórico, uma narrativa de reversão da austeridade, que a realidade não confirma. Um mapa irreal mas suficientemente eficaz para sustentar a relação com o Bloco de Esquerda e com o PCP (e o debate desta sexta-feira, ao contrário de que muitos esperavam, não teve quaisquer arrufos entre parceiros e Governo), e também suficientemente eficaz para alimentar a patética conversa de que havia um senhor muito mau, chamado Passos Coelho, que andou quatro anos a empobrecer o país e a destruir o Estado Social, e que depois foi substituído por um senhor muito bom, António Costa, que anda há três anos a enriquecer o país e a reconstruir o Estado Social. Desculpem colocar isto desta forma, em linguagem infanto-juvenil, mas nada disto faz sentido para quem tiver idade mental superior a oito anos.
António Costa utilizou há dias a fábula da Carochinha e do João Ratão, para dizer que o PS não andava desesperado à procura de noivo para casar. Mas o PS não é a Carochinha. O PS é o João Ratão, que era guloso e caiu no caldeirão – para chegar ao poder, Costa assumiu uma solução de governo que tem vantagens políticas, no sentido em que responsabiliza uma extrema-esquerda que até 2015 levou 40 anos a dizer “não” sem jamais ter de assumir as consequências daquilo que propunha; mas que, ao mesmo tempo, amarra o país a um modelo de governação incapaz de assumir medidas reformistas, ou um qualquer programa estratégico que não passe por devolver dinheiro, carreiras ou tempo de serviço.
A solução encontrada pela dupla Costa/Centeno foi indiscutivelmente engenhosa. Mas a única coisa que ela, na prática, vai conseguir, é adiar a convergência de Portugal com a Europa por mais uma década. O governo mudou a austeridade de sítio – dos ordenados para as cativações; dos impostos directos para os impostos indirectos –, e a esse movimento chamou “fim de austeridade”. Não é só uma mentira – é uma narrativa ínvia com ressonâncias de verdade (muita gente recebe hoje, efectivamente, mais dinheiro do que em 2014), que envenena a clareza necessária para a tomada de opções políticas sérias, e turva a percepção dos portugueses sobre o real Estado do país e as suas dificuldades estruturais.
Repetir infindáveis vezes que “o país está melhor”, esquecendo que o país apenas se aproximou do PIB que existia em 2011, serve apenas para alimentar um sentimento de dever cumprido, quando Portugal não fez nada do que precisava para travar um inexorável processo de decadência económica em função da pressão demográfica. Em 2018, os portugueses pagam mais por um Estado pior, como já vai sendo tragicamente visível na sucessão de notícias sobre hospitais em colapso. Em 2019 pagarão ainda mais por um Estado ainda pior – e assim sucessivamente. Mas também lentamente. Nada disto é da noite para o dia. E é por isso que já aqui escrevi que a reeleição de António Costa não será um prémio, mas um castigo. Se o país está tão bem, ele que saboreie os frutos daquilo que anda a semear.