Presidente promulga suspensão de despejos, proprietários contestam

Marcelo Rebelo de Sousa não vê inconstitucionalidade no regime de arrendamento que protege idosos e deficientes

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Marcelo Rebelo de Sousa considera que se justifica a protecção aos idosos mais vulneráveis e aos deficientes Fernando Veludo/NFactos/Arquivo

O Presidente da República invocou "razões sociais" para promulgar o diploma do Parlamento que suspende temporariamente despejos de inquilinos em situação vulnerável, idosos a partir de 65 anos e cidadãos com elevado grau de deficiência.

"Ponderados estes argumentos e as razões sociais de maior fragilidade e menor capacidade de resposta, justificativas do diploma, entendeu o Presidente da República deverem estas prevalecer. Aliás, em consonância com o seu entendimento de sempre", lê-se numa extensa nota de Marcelo Rebelo de Sousa sobre esta promulgação, publicada no portal da Presidência da República.

No passado dia 6 de Junho, o Parlamento aprovou em votação final global um diploma elaborado com base em projectos do PS e do Bloco de Esquerda que estabelece um "regime extraordinário e transitório para protecção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos".

Este diploma foi aprovado com os votos a favor da esquerda parlamentar (PS, PCP, BE e PEV) e do PAN, tendo sido rejeitado pelo PSD e pelo CDS-PP.

"O presente diploma parece pretender, com a sua vigência de cerca de nove meses, evitar certos despejos de maiores de 65 anos e de portadores de elevado grau de deficiência, inquilinos há pelo menos quinze anos, no prazo considerado suficiente para eventual reapreciação global da legislação sobre arrendamento urbano", observa o Presidente da República.

Depois, na sua nota, o Presidente da República afasta a existência de indícios de inconstitucionalidade neste diploma, alegando que, "do ponto de vista da solução substancial, e olhando à experiência jurídica passada, sucessivos regimes legais sobre esta matéria acabaram por não ser considerados violadores dos princípios aplicáveis da Constituição da República".

Marcelo Rebelo de Sousa sublinha que as alterações à lei que protegeram os arrendatários com mais de 65 anos e que garantiam direitos aos filhos que vivessem com eles "nunca foram declarados inconstitucionais, por violação do direito de propriedade privada, da liberdade de iniciativa privada ou da autonomia privada".

O chefe de Estado sustenta que mesmo o facto de a protecção ora consagrada "abarcar outras situações tidas por equivalentes ou delas mais merecedoras - inquilinos nas condições descritas há menos de 15 anos ou inquilinos mais jovens com vários menores a cargo - não é por si só suficiente para invocar violação do princípio da igualdade". Por outro lado, salienta Marcelo Rebelo de Sousa, "não foi tida por inconstitucional, por violação de expectativas jurídicas ou da protecção da confiança, a alteração em 2012 do regime jurídico vigente desde 2006 e várias vezes modificado".

Proprietários vão recorrer ao Provedor de Justiça.

Em reacção à promulgação do diploma, a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) lamenta a decisão do Presidente e anuncia que vai recorrer ao Provedor de Justiça para tentarem que seja feito um pedido de fiscalização de constitucionalidade da lei. 

Os proprietários consideram que, ao promulgar a lei que suspende, até Março de 2019, "a possibilidade de oposição à renovação dos contratos de arrendamento celebrados de boa-fé", o Presidente torna vitalícios "os contratos celebrados até 2003 - 13 anos depois da aprovação do Regime de Arrendamento Urbano [RAU], no primeiro Governo de maioria absoluta de Cavaco Silva". 

A ALP recorda que, apesar de impedida formalmente de suscitar a fiscalização da constitucionalidade da lei, foi recebida, a seu pedido, na Presidência da República no mês passado e que, na altura, sensibilizou o PR para a "violação gritante do Princípio da Confiança e ainda do art. 20.º da Constituição, que garante a todos o acesso aos tribunais e à justiça num prazo razoável".

Na altura, os proprietários pediram ainda a Marcelo Rebelo de Sousa o envio do diploma para fiscalização por parte do Tribunal Constitucional. "Infelizmente, essa não foi a decisão do Presidente, pelo que a ALP irá desencadear contactos junto da Provedoria de Justiça, para solicitar fiscalização da constitucionalidade do diploma", acrescentam.

Em representação de mais de dez mil senhorios à escala nacional, a ALP não tem dúvidas de que "a confiança dos proprietários de imóveis no Estado de Direito e nos órgão políticos e de soberania está, neste momento, ferida de morte". 

Os proprietários consideram que "é líquido que nenhum contrato de arrendamento será celebrado a partir de hoje em Portugal por um prazo superior a um ano, por falta de confiança, e que inquilinos de meia-idade (acima e abaixo de 65 anos) terão muita dificuldade em encontrar uma solução de arrendamento, sob a ameaça de esses contratos se tornarem vitalícios".

A ALP considera ainda "absolutamente surrealista que se tenha aprovado e promulgado uma lei inconstitucional, que determina as não renovações de contratos de arrendamento e despejos em curso [...] e que, daqui a um par de meses, se pretenda que esses mesmos proprietários lesados por esta arbitrariedade legislativa [...] coloquem os seus imóveis no mercado de arrendamento acessível a preços mais baixos que os de mercado".

No mesmo comunicado, os proprietários dizem ainda que, "como consequência da promulgação de hoje, e de nos próximos meses ser previsível a aprovação no Parlamento mais de duas dezenas de Leis em matéria de arrendamento que apenas beneficiam inquilinos, prejudicando os direitos dos proprietários de imóveis, [...] pende sobre o mercado de arrendamento uma sentença de morte".

Consideram igualmente que os preços do arrendamento, "motivados pela retracção na oferta causada pela desconfiança dos proprietários, conjugados por um aumento da procura, decorrente da crescente atractividade dos centros urbanos, vão continuar a escalar exponencialmente, e criar a mais grave crise habitacional de que há memória no país".