A diversidade mora em Águeda — e a cultura também
A cidade já está em polvorosa e prestes a viver 23 dias consecutivos de animação intensa. O festival AgitÁgueda é um óptimo pretexto para rumar ao maior município do distrito de Aveiro, mas não é o único. Por estas bandas, há muito para ver, fazer e sentir.
Foi sendo conhecida como a capital da bicicleta, devido à quantidade de indústrias do sector das duas rodas que nela laboravam. Depois, afirmou-se como smart city, destacando-se mesmo como um dos maiores exemplos a nível nacional. Mas há algo que começa a ser cada vez mais evidente: Águeda é uma cidade com uma dinâmica cultural invejável, muito por força de colectividades como a d’Orfeu ou do seu novíssimo Centro de Artes. E também pelo peso que começa a ganhar, por estas bandas, a arte urbana. Pelas ruas da cidade há já várias instalações para apreciar, num circuito que não pára de crescer por obra e graça de um festival que leva o nome de AgitÁgueda e que atrai milhares de visitantes — a grande maioria por causa da famosa instalação de chapéus de chuva (ou guarda-chuvas, para quem é do Norte) coloridos.
São 23 dias de festa rija e que acabam por apresentar-se como apenas mais um bom motivo para rumar a este concelho da região de Aveiro (é o maior do distrito em termos de área). Águeda também é dona e senhora de uma lagoa natural única, de aldeias tradicionais, museus detentores de um património ímpar e cerca de 100 quilómetros de circuitos pedestres. E se há coisa que importa relevar é a diversidade da paisagem: tão depressa está quase ao nível do mar como atinge os 760 metros de altitude. Mas já lá vamos. Por ora, somos atraídos ao centro da cidade, mais concretamente à zona da baixa, junto ao rio Águeda — afluente do Vouga —, que é o epicentro da festa.
Estamos em plena Rua Luís de Camões, a principal artéria comercial do centro, sob o pretexto de assistir aos trabalhos de instalação dos guarda-chuvas (vamos optar pela expressão nortenha, ok?), mas acabamos por cair em tentação. Um café e um pastel de Águeda, por favor. “Existem muito poucas pessoas a fazer o nosso doce tradicional, uma vez que a receita tem alguns segredos”, conta a nossa guia, Célia Laranjeira. No caso da pastelaria Trigal, a produção é assinada pela “dona Ermelinda”, mas há mais uma meia dúzia de pessoas “a produzir pastéis de Águeda muito bons”, acrescenta a técnica de turismo da autarquia local. Uma delícia feita à base de amêndoas e gemas de ovos. E mais não dizemos (tanto mais porque ninguém nos revelou a receita).
Um pouco mais abaixo, somos atraídos pelo sorriso de Manuela Ferreira Martins. Está instalada na Rua Luís de Camões há 38 anos, com uma loja de decoração, e aos 64 anos de idade ainda vai acusando alegria e satisfação por ver a sua rua “invadida” por milhares de pessoas por alturas do AgitÁgueda. “Há famílias, vindas de longe, que fazem questão de passar sempre por aqui, nem que seja só para dizer olá”, assegura. E o negócio? “Também se vende mais, principalmente estas lembranças que começaram a produzir a propósito do festival”, relata, referindo-se aos ímanes e pins alusivos à festa e à cidade. “São coisas baratinhas, a cerca de três euros, mas as pessoas também não podem gastar muito. Já têm tanta despesa a vir até cá”, nota a comerciante.
Rumo à encosta da serra do Caramulo
Da baixa da cidade até à montanha é um saltinho. Dúzia e meia de curvas e contracurvas e, ao fim de uns 20 ou 30 minutos, já estamos a 760 metros de altitude, nas encostas da serra do Caramulo, mais concretamente na Urgueira. Um pequeno lugar que continua a manter bem viva uma lenda à volta do seu forno comunitário e que, uma vez por ano, atrai milhares de visitantes por conta da celebração do chamado “milagre da Urgueira”.
Conta-se que, “num dia de romaria, e quando a procissão ia a passar, um homem tirou uma flor do andor e, com ela presa na boca, entrou no forno para lá colocar o pão a cozer”. “Embora o homem estivesse descalço e sem protecção alguma não sofreu qualquer queimadura, tendo a flor saído de lá com a mesma frescura e viço com que entrou”, anuncia-se na placa informativa instalada junto ao forno. O feito acabou por ser considerado um milagre e, anualmente — a cada terceiro domingo de Agosto —, cumpre-se a romaria à Senhora da Guia e o “milagre” é recriado: um homem entra no forno para retirar o pão com as suas próprias mãos. E, jura a pés juntos quem já teve oportunidade de testemunhar o feito, o pão que sai deste forno não apanha bolor.
Em época de romaria ou não, quando subir ao alto da Senhora da Guia fixe o olhar no horizonte em direcção à costa: em dias de céu limpo, garantem, é possível avistar o mar — não podemos comprovar a tese pois aquando da nossa visita estava um nevoeiro cerrado. E aproveite para cumprir o trilho das terras de granito, percurso pedestre com cerca de oito quilómetros de extensão e que passa por outras aldeias dignas de uma visita. Macieira de Alcôba é a principal de todas — tanto mais porque já foi sede de freguesia — e merece uma visita mais prolongada, para caminhar ao longo do seu casario de granito, visitar os moinhos de rodízio e descobrir o Centro Interpretativo do Milho Antigo — um espaço que explica o ciclo do milho (do grão ao pão).
É também no centro desta aldeia que encontrará um restaurante que pretende ser uma montra dos melhores produtos das aldeias serranas. Instalado na antiga escola primária, o espaço gerido por Zulmira Marques e António Novo não renega o passado, mantendo o ambiente das antigas salas de aulas do Estado Novo — o crucifixo, a foto de Salazar e o mapa de Portugal insular e o império colonial português pendurados na parede —, e acrescentou-lhe uma boa dose de sabores tradicionais. “Queríamos que este fosse um restaurante domingueiro, como quando íamos à casa dos nossos pais ou avós e comíamos assados”, nota Zulmira Marques. E a carta do restaurante A Escola aí está para comprovar que o desafio é cumprido: bacalhau com broa, cabrito assado, lampantana, vitela. “Tudo assado no forno a lenha e feito com produtos de cá. Gosto de comprar aos produtores da terra”, assegura-nos a proprietária, que é também quem manda na cozinha.
A carta de sobremesas também faz jus à classificação de “restaurante domingueiro”: tigelada, gelado de mirtilo, leite creme, compotas caseiras e pastéis de Águeda — e não é que tivemos a oportunidade de as provar a todas? Com um remate final: licor de mirtilo ou licor de figueira, ambos produção caseira da dona Zulmira.
Vai ser difícil deixar Macieira de Alcôba para trás, mas quando tiver de o fazer aproveite a viagem para dar um salto à aldeia de Lourizela, que, apesar de ter apenas uns 10 habitantes, começa a ser um exemplo ao nível da requalificação e preservação das suas casas tradicionais — muitas delas como casas de férias ou de fins-de-semana. E o mais curioso de tudo? Apesar de estar ali tão próxima das aldeias de granito, em Lourizela o casario é feito de xisto.
À beira da pateira e dos parques fluviais
Falar de Águeda sem mencionar a Pateira seria um grande pecado. Bem vistas as coisas, esta lagoa natural constitui o maior ex-líbris natural do concelho e está classificada como importante zona húmida. Especialmente procurada para a observação de aves, pesca desportiva, fotografia de natureza e actividades ao ar livre, a Pateira é conhecida localmente como a “lagoa encantada”. Tem uma área de cerca de cinco quilómetros quadrados e goza da fama de ser “uma das maiores lagoas naturais da Península Ibérica”.
Para quem gosta de andar à beira (ou dentro) da água, há ainda as opções dos parques fluviais do concelho. Tome nota dos nomes: Souto do Rio, Redonda, Alfusqueiro e Bolfiar. Em cada um deles encontrará zonas verdes e águas cristalinas, com a possibilidade de ir a banhos.
A cultura acontece em todo o lado
Já o tínhamos dito, e voltamos a lembrá-lo: Águeda é um município pujante a nível cultural. Além das quase 30 obras de arte urbana que estão presentes nas ruas da cidade — e não só, uma vez que uma das pinturas mais afamadas está instalada em Recardães, no reservatório de água —, a terra de Manuel Alegre é, ainda, “guardiã” de uma colecção de cerca de 5000 obras — pinturas, esculturas, joalharia e relojoaria — de grande valor. Faz parte do espólio da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, que tem as suas portas abertas ao público.
“A peça mais antiga que aqui temos são os vasos gregos, do século IV a.C”, destaca Vieira Duque, director da fundação-museu, a propósito do vastíssimo conjunto de peças que está em exposição e que reserva ainda lugar de destaque para a prataria, porcelanas chinesa, japonesa e portuguesa, marfins e pintura. Algumas peças são verdadeiras relíquias e já foram alvo de classificação (património nacional), como é o caso da papeleira indo-portuguesa, feita, no século XVIII, “na costa oriental da Índia”, desvenda Vieira Duque.
Também no Centro de Artes de Águeda — equipamento que conta com pouco mais de um ano de vida — as artes plásticas encontram um palco privilegiado. Além de um auditório com capacidade para quase 600 espectadores, este centro tem uma sala de exposições temporárias que com dimensão generosa — são cerca de 600 metros quadrados de área — e aposta numa programação própria. Pois eu é um outro é o título da mostra que está agora patente — estende-se até Outubro — e que apresenta obras de artistas portugueses e estrangeiros que abordam questões sociais. Um conjunto de pinturas e esculturas pertencentes à colecção Norlinda e José Lima — desenvolvida pelo empresário José Lima, natural de Águeda e radicado em São João da Madeira.
Noutra vertente da cultura, mais concretamente na música, os holofotes viram-se para um espaço em particular, o da associação d’Orfeu. A colectividade que é responsável por produções como o Festim, Gesto Orelhudo, Outonalidades e o Festival i, e que conta com uma escola de palco, abre as portas do seu espaço ao público, com regularidade, para vários concertos e apresentações. Fundada em 1995, a colectividade que nasceu pela mão de quatro irmãos músicos envolve cerca de 400 pessoas — entre sócios e amigos — e continua apostada em “procurar preencher o espaço de algo que esteja a faltar”, nota Luís Fernandes, o seu presidente.
De comboio ou de carro, pare em Macinhata
As viagens no comboio histórico do Vouga, iniciadas no Verão do ano passado e retomadas no passado dia 30 de Junho, vieram trazê-lo para a ribalta, mas nunca é de mais lembrar: em Macinhata do Vouga, existe um museu ferroviário que guarda várias relíquias (é ponto de paragem, para visita, nas viagens do comboio histórico).
Instalado junto à estação de comboios de Macinhata, neste espaço museológico encontrará vários tipos de locomotivas e veículos relacionados com os comboios. A máquina mais antiga é do ano de 1886, destacando-se, ainda, as automotoras dos anos 40 do século passado, que tinham 1.ª e 3.ª classe, e foram construídas nas oficinas de Sernada do Vouga. Também encontrará por ali, por exemplo, um quadriciclo a motor, dos anos 1920-30, que servia para inspecções à linha e era utilizado pelos inspectores. A melhor forma de aceder a este museu é de comboio (claro está), seja através das viagens históricas ou das linhas regulares do “Vouguinha”, mas também é muito fácil lá chegar de carro.
A Fugas viajou a convite da câmara municipal de Águeda