A história de Viseu também pode ser contada a partir do Porto
A obra Viseu no Porto, promovida pela Câmara de Viseu, convida os portuenses a descobrir um roteiro que liga os locais mais emblemáticos da Invicta à história e património da cidade de Viseu.
As cidades do Porto e Viseu estão ligadas por uma história que conta vários séculos. Através de um roteiro que une a Invicta à Beira Alta, a Câmara de Viseu pretende desvendar o “mapa invisível” desta cidade no Porto. A autarquia prevê que a obra, confiada ao historiador Joel Cleto, seja lançada ainda este ano.
A ideia surgiu no ano passado, quando o município reparou nas “inúmeras ligações” entre as cidades do Porto e Viseu “em momentos fundamentais da história da nacionalidade”, conta Jorge Sobrado, vereador da Cultura, Património, Turismo e Marketing Territorial da Câmara Municipal de Viseu. “Há um mapa invisível de Viseu no Porto. Viseu tem muita influência na história e no património do Porto, mas isso é invisível”, acrescenta.
Viseu no Porto é o nome da obra que vai traçar um roteiro de Viseu na cidade do Porto. Pensada para o papel e para o digital, a obra inclui associações entre pessoas, monumentos e acontecimentos de ambas as cidades, numa viagem conduzida pelo historiador portuense Joel Cleto. A partir dela, a autarquia espera despertar o interesse dos nortenhos em visitar e redescobrir a Beira Alta.
O Farol-Capela de São Miguel-o-Anjo, na Foz do Douro, esconde a primeira associação entre as duas cidades. Mandado erguer por D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, o edifício que data de 1527 constitui a primeira obra renascentista em Portugal.
“Tinha acabado de ser construída em Lisboa a Torre de Belém. O discurso oficial da arquitectura e da arte entre nós era ainda o estilo manuelino, uma arte muito rebuscada, muito decorada, mas aqui temos uma obra que não tem nada de gótico e de manuelino e que está claramente a imitar as construções romanas, de linhas simples, depuradas. Até a própria inscrição imita as inscrições das epígrafes romanas”, explica Joel Cleto. A presença reformista de inspiração renascentista de D. Miguel da Silva fez-se também sentir no claustro da Sé de Viseu.
“Como é que é possível? Os grandes centros culturais e artísticos do país são Coimbra e Lisboa e é aqui na Foz do Douro, uma aldeia de pescadores e mareantes nos subúrbios do Porto, e nas beiras, em Viseu, que aparecem as primeiras obras?”, questiona o historiador. A resposta surge de seguida: D. Miguel da Silva, nomeado pelo rei D. Manuel I embaixador de Portugal em Roma, viveu no epicentro das manifestações renascentistas, contactando com os famosos Médicis e alguns dos grandes escultores do Renascimento. Aquando da morte do rei D. Manuel I, o filho, D. João III, ordena que D. Miguel da Silva regresse a Portugal, concedendo-lhe o cargo de responsável pelo Convento de Santo Tirso, que geria aquela área na Foz do Douro.
Em Viseu, D. Miguel da Silva conheceu Vasco Fernandes, um jovem artista que tinha trabalhado com pintores flamengos na catedral de Lamego, começando a encomendar-lhe obras. “É assim que surge o primeiro grande pintor renascentista em Portugal que, se existe, se deve a ter tido como mecenas D. Miguel da Silva”, sublinha o historiador.
O célebre romance de Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, volta a cruzar as duas cidades. Para além da narrativa se desenrolar entre o Porto e Viseu, o Romeu e Julieta português foi escrito à janela da Cadeia da Relação, no Porto, onde o escritor esteve preso durante um ano pelo crime de adultério. “Lendo o romance, conseguimos de imediato identificar quais são os sítios em que Camilo se inspirou e escreveu-os na Cadeia da Relação, pensando em Viseu”, nota. É o caso do solar dos Albuquerques ou da fonte de São Francisco.
Mas as ligações entre a Invicta e a Beira Alta não se ficam por aqui. A Praça do Rossio, no coração de Viseu, é rodeada pelo icónico painel de azulejos da autoria do mestre Joaquim Lopes, pintor portuense. Curiosamente, o ex-libris da cidade do Porto, a Torre dos Clérigos, contou com a colaboração de José Figueiredo Seixas, arquitecto natural de Viseu e braço direito de Nicolau Nasoni. Mais tarde, o viseense projectou a Igreja do Carmo, considerada “o expoente máximo do rococó no Porto”.
A última história cruza as imagens dos brasões de Vila Nova de Gaia e Viseu, já que ambos incluem um castelo e um homem que toca corneta. Conta a lenda que durante a reconquista cristã terá existido em Gaia “uma fortaleza muçulmana inexpugnável, a fortaleza de Alboazar”. Certo dia, sabendo que D. Ramiro II se tinha ausentado do castelo em Viseu, Alboazar terá raptado a rainha, de nome Gaia, trazendo-a para o seu castelo junto às margens do rio Douro. Algum tempo depois, a rainha cristã ter-se-á apaixonado pelo sequestrador. Resgatada pelo marido e de regresso a Viseu, Gaia chorava no barco a morte do amante.
Suspeitando o que teria acontecido, D. Ramiro II ter-lhe-á perguntado qual a razão da sua tristeza. Ali tinha sido feliz e amado um homem que não voltaria a encontrar, disse. “Então mira, mira Gaia, que será a última coisa que irás mirar”, terá respondido, matando-a de seguida. “É por isso que este lugar se chama Miragaia, porque foi a última mirada”, explica o historiador.
Estas e muitas outras histórias serão contadas, talvez mesmo reveladas, na obra Viseu no Porto. Tudo para reaproximar os interesses turísticos, culturais e patrimoniais das duas cidades.
Texto editado por Ana Fernandes