Vitória de Carlos Cruz “é fraquita”, diz advogado especialista em processar o Estado Português
Tribunal da Relação de Lisboa vai estudar implicações de decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre Casa Pia em futuras decisões.
A vitória do apresentador de televisão Carlos Cruz no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos “é fraquita”, observa o advogado português que mais causas ganhou em Estrasburgo, Jorge Alves. “Mas é uma vitória”, concede.
Depois de ter sido condenado a seis anos de cadeia por abuso de menores, no âmbito do processo Casa Pia, Carlos Cruz apresentou uma queixa em Estrasburgo relacionada com a forma como o processo foi conduzido em Portugal. Esta terça-feira os juízes do tribunal europeu deram-lhe parcialmente razão, numa decisão que o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, irá usar para tentar reabrir o caso na justiça portuguesa. Não é certo que o consiga.
“Carlos Cruz levantou quatro questões relacionadas com a violação dos direitos humanos e só lhe foi dada razão numa delas”, observa Jorge Alves, pelas mãos do qual entraram, nos últimos anos, quase duas centenas de processos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O especialista chama ainda a atenção para o facto de, mesmo no aspecto em que deram razão ao queixoso, os juízes de Estrasburgo se terem dividido: quatro votaram a favor da violação dos direitos humanos, três contra. “É uma decisão que tem muita parra e pouco sumo”, resume o mesmo causídico, chamando ainda a atenção para o facto de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não ter obrigado o Estado português a indemnizar Carlos Cruz, alegando que decidir a seu favor constitui, por si só, compensação suficiente.
Defendendo que a justiça não pecou por morosidade neste julgamento, dada a complexidade do caso, em que tiveram de ser ouvidas 920 testemunhas, os juízes de Estrasburgo apontam o dedo não ao tribunal de primeira instância mas sim ao Tribunal da Relação de Lisboa, que em 2011 não deixou Carlos Cruz juntar ao processo novas provas em sede de recurso – nomeadamente entrevistas dadas entretanto à comunicação social por outro arguido, e por algumas das vítimas.
Os juízes portugueses foram "confrontados com elementos de prova susceptíveis de pôr em causa o acórdão proferido" em primeira instância, cuja análise podia ter beneficiado o arguido, entende a justiça de Estrasburgo. O facto de o terem privado disso mostra-se "incompatível com os requisitos de um julgamento justo".
Jorge Alves diz que a justiça portuguesa não podia, porém, ter agido de outra forma: “De acordo com a lei portuguesa, não é permitida a junção de documentos em sede de recurso."
Essa é também a posição do presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento: “O acórdão [agora posto em causa] foi proferido no âmbito do direito vigente à data da decisão." O magistrado adianta que os juízes da Relação vão agora estudar a deliberação de Estrasburgo, com o objectivo de “extrair ilações para decisões futuras”.
Quanto a uma eventual reabertura do processo Casa Pia, Orlando Nascimento mostra algum cepticismo: “Uma coisa é o pedido poder ser apresentado, outra é ser aceite."