A viagem nasce quando pensamos nela, começa com o desejo de ir e cresce com a ansiedade da preparação.
O Caminho de Santiago é um percurso com doze séculos de história, embora provavelmente a peregrinação pagã até Finisterra já existisse há muito. Diz-se que em 812 Pelágio, um eremita viu uma estrela cair sobre o túmulo que, mais tarde, o bispo Teodomiro atribuiría a Santiago. O Rei Afonso II de Espanha, dito o primeiro peregrino, viria a mandar construir no local uma pequena igreja que com o tempo cresceu e se tornou na cidade de Santiago de Compostela.
Muitos foram os que o percorreram ao longo do tempo e muitos foram os que sonharam percorrê-lo. Embora no séc. XIV a popularidade do caminho tenha diminuindo bastante, no séc. XX, já nos anos 80, surgiu um novo interesse e o percurso começou a revitalizar-se com melhor sinalização, abertura de novos albergues e um crescente número de peregrinos. Hoje é Património da Humanidade da UNESCO e o “Primeiro Itinerário Cultural Europeu” do Parlamento Europeu.
O Caminho de Santiago tem o seu próprio imaginário, é o centro de muitas histórias e, tal como Jean-Christophe Rufin refere, quanto mais se descobre sobre o ele mais vontade se tem de o percorrer. É como um vício, dirão muitos.
O nosso caminho começou, na prática, em Valença do Minho. O sol nascia quando apanhámos um comboio na Estação de Campanhã, no Porto, e numa carruagem quase vazia fomos até à última cidade portuguesa deste percurso.
Eram 8h, a cidade acordava e, por entre quem dava início a um dia de trabalho, alguns peregrinos passavam discretos. Num pequeno café, à entrada da muralha, alguns deles tomavam o pequeno-almoço e coleccionavam os primeiros carimbos.
Seguimos caminho, atravessámos a cidade de Valença e o Rio Minho, pisámos Espanha e entrámos em Tui. Junto à Catedral, um grupo de turistas reunia-se enquanto o guia desvendava os segredos do pórtico.
De Tui a O Porriño são cerca de 20 km, é uma etapa sem grandes dificuldades que nos introduz à relação entre o percurso por entre os belos bosques galegos e as pequenas povoações. A pouco mais de meio do caminho evitámos a estrada do Polígono Industrial e seguimos o percurso alternativo pela floresta.
Chegámos a O Porriño pelo caminho junto ao rio e instalámo-nos num albergue no centro da cidade. O primeiro dia estava concluído, agora era tempo de tomar duche, comprar comida, jantar e dormir…
Às 5h da manhã são horas de acordar. Quase todos se levantam e preparam para mais um dia, acordar cedo e evitar as horas de calor é lema entre quem caminha. Até Redondela o caminho faz-se por aldeias e estradas secundárias, algumas subidas, descidas e muitos peregrinos a andar.
O albergue público de Redondela situa-se na Casa da Torre, um edifício estilo renascentista que data do século XVI. Em dia de “Letras Galegas”, é feriado, a cidade está em festa, a música ecoa pelos ares e as pessoas passeiam pelas ruas. Deambulámos um pouco pela cidade e caminhámos até à Ria, onde cisnes e garças pousavam calmamente.
A terceira etapa leva-nos até Pontevedra, a primeira grande cidade do caminho. O percurso parece passar rápido e por entre estradas romanas muitos são os peregrinos que caminham connosco. Nos últimos quilómetros seguimos o “caminho do rio” uma alternativa que nos faz fugir ao alcatrão e encontrar um bosque de beleza singular, com riachos de águas límpidas e transparentes, árvores mágicas como que saídas de qualquer conto fantástico e flores brancas que pontilham o caminho com o toque da Primavera. Pontevedra tem muito que visitar e numa tarde apressada visitámos um pouco do centro, a igreja da Virgem Peregrina e o Museu Municipal.
Até Caldas de Rey são cerca de 26km, não há muitas sombras e em dia de calor não resistimos a uma Coca-Cola, no Albergue Catro Canos, em Tivó, já quase no fim da etapa. Com as forças repostas, finalizámos o percurso no Albergue “Posada Dona Urraca” em Caldas de Rey. Depois de almoçar fomos explorar a cidade e descobrir as suas famosas águas termais.
A penúltima etapa faz-se até Padrón, onde se diz ter atracado a barca que trazia Santiago. O albergue municipal situa-se junto ao Convento do Carmo e é especialmente bonito e agradável.
O último dia deixa os idílicos bosques e paisagens florestais, é uma aproximação à cidade de Santiago de Compostela e o movimento nas estradas acresce. Chegámos junto à hora de almoço e o bulício na cidade é notório, muitos turistas passeiam de um lado para o outro e os cafés e restaurantes estão cheios. Caminhámos entre as ruelas até à Praza do Obradoiro, as obras de restauro continuam na fachada da catedral, vários peregrinos descansam no chão e saboreiam a chegada.
A hora da sesta aproxima-se e a cidade acalma, comemos uma empanada galega e seguimos até ao Seminário Menor onde deixaríamos as mochilas e dormiríamos naquela noite. A tarde seguiu com a exploração da cidade e a espera pela Compostela na Oficina do Peregrino. O Caminho estava concluído.
Acordar, andar, comer, dormir, repetir: são assim os dias que passam a voar numa semana que pareceu um dia. O Caminho não é só uma viagem cultural, religiosa, espiritual, desportiva. É uma experiência que vicia, é um desejo de voltar, é o sabor do andar.
Cláudia Salgueiro
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