Moradores vão poder sinalizar consumidores directamente às associações
Associações responsáveis pelas salas de consumo assistido fixas em Lisboa querem que moradores façam parte da solução, ajudando as equipas técnicas a chegar a quem se mantém à margem. Estima-se que 20% dos consumidores não contactem com qualquer estrutura de apoio.
Uma sala de consumo assistido não pode abrir portas sem integrar as comunidades locais. Sem que estas compreendam e reconheçam a sua necessidade. É este o entendimento das associações responsáveis pelas salas fixas que vão abrir em Lisboa, em parceria com a câmara, no início do próximo ano: uma em Alcântara, responsabilidade da associação Ares do Pinhal, outra na Alta de Lisboa, a cargo da Crescer.
Fazer dos moradores “parte da solução” pode ser o primeiro passo. Para isso, a Ares do Pinhal vai convidar instituições locais e os vizinhos a visitar o espaço (em momentos em que não haja utilizadores), num prédio municipal no final da rua Alto do Carvalhão. “A sala não pode ser um bunker, criar receio ou medo às pessoas. Queremos mostrar como aquele espaço protege a comunidade e o doente”, diz Elsa Belo, directora do programa de consumo vigiado da associação.
Vão ainda ser disponibilizados contactos para que moradores possam sinalizar zonas de consumo e consumidores. “Se um morador sabe que todos os dias há uma pessoa que consome junto ao seu prédio, pode ligar à equipa e esta tem a possibilidade de oferecer ajuda”, explica Elsa Belo.
Isso dará à associação a possibilidade de contactar com uma franja da população toxicodependente que se mantém à margem de qualquer tipo de apoio – cerca de 20% dos consumidores, estimam Elsa e Sofia Pinteus, coordenadora técnica das equipas que contactam com cerca de 1200 pessoas diariamente em cinco zonas da cidade. “Os consumos podem levar a um total alheamento institucional, familiar, social”, por isso, ao facilitar o contacto com associações e serviços de saúde, as salas são um investimento no tratamento, considera Elsa.
“A reabilitação não se faz se não chegamos às pessoas”, completa Sofia. É preciso construir relações de confiança para que se possa encaminhar, quem queira, para tratamento.
"Questão de saúde pública"
Estes 20% são pessoas que consomem afastadas dos grupos com quem as equipas de rua conversam diariamente, que não recorrem a programa de troca de seringas ou substituição opiácea por metadona. E onde se incluem os consumidores com maior capacidade económica, que têm família e emprego. São advogados, jornalistas, médicos. “Chegam de carro, compram e seguem”, retrata Elsa. Dificilmente frequentarão as salas. Mas há que tentar: criando estacionamento e entradas discretas, “para os proteger”.
Mas até onde é que a intenção de proteger uns pode prejudicar outros? “Se as pessoas perceberem que é uma questão de saúde pública para todos vão concordar com as salas”, diz Sofia. Não que ela ou Elsa não compreendam os receios dos moradores. “Estas pessoas já foram tão fustigadas com o antigo Casal Ventoso que temem que aquele pesadelo volte. É perfeitamente legítimo. Mas as salas não vão criar um problema novo. Vão tirar um problema que está na rua para um sítio protegido”, completa Elsa. Afinal, reconhecem, já existem salas de consumo, só que este não é assistido.