The Raincoats: um abanar, uma irreverência, uma vontade de mudar as coisas

Em 1974, Ana da Silva partiu de Lisboa para passar uma temporada em Londres. Ficou lá até hoje. Em 1977, criou com Gina Birch as Raincoats, banda fundamental do punk e do pós-punk que dinamitou as convenções sobre o que podia ser o rock no feminino. Vamos vê-las em concerto em Braga, Lisboa e Coimbra, e vamos ouvi-las contar a sua história no Porto, no congresso KISMIF.

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Editaram quatro álbuns — The Raincoats (1979), Odyshape (1981), Moving (1984) e Looking in the Shadows (1996). Este último teve génese numa visita inesperada, nos anos 1990, ao local onde trabalhava então uma Ana da Silva desligada da música: Kurt Cobain Andy Freeberg

Tinha 16 anos quando aterrou em Inglaterra pela primeira vez. Estávamos nos anos 1960, os Beatles tinham editado um par de discos, os Rolling Stones não mais de um. Ana da Silva comprou-os todos, claro. Sem interesse no nacional-cançonetismo que a rádio lhe oferecia, nascida na Madeira ilha a que, nessa altura, ainda sem aeroporto, todas as novidades chegavam ainda com mais atraso que ao continente, socorria-se da World Service da BBC para ouvir a música que a cativava.

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Editaram quatro álbuns — The Raincoats (1979), Odyshape (1981), Moving (1984) e Looking in the Shadows (1996). Este último teve génese numa visita inesperada, nos anos 1990, ao local onde trabalhava então uma Ana da Silva desligada da música: Kurt Cobain

No final da década de 1960, chegou a Lisboa para estudar Germânicas. Seguia o “Em Órbita”, o histórico programa emitido pelo Rádio Clube Português, para acompanhar as novidades discográficas, continuava os estudos. Até 1974. Nesse ano, regressou a Inglaterra. Planeava ficar apenas uma temporada em Londres, mas ali ficou até hoje. É desde Londres que fala com o Ípsilon da sua história e da história das The Raincoats, banda fulcral do pós-punk britânico, banda de culto que criou um clássico à primeira tentativa – falamos do single Fairytale in the Supermarket, editado em 1979.

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Shirley O’Loughlin

Hoje e nos próximos dias vamos ter o privilégio de ver The Raincoats em Portugal. Actuam esta noite, dia 29 de Junho, no gnration, em Braga. Dia 30, estarão na Trienal de Arquitectura, em Lisboa, para um concerto no âmbito do Festival Rama em Flor, que celebra e debate o feminismo e a cultura queer. A 3 de Julho actuarão no Salão Brazil, em Coimbra. Durante a sua passagem por Portugal, serão também um dos (muitos) destaques do Congresso Keep It Simple, Make it Fast (KISMIF), nascido na academia, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e que, entre debates, concertos ou exposições, se abre a toda a cidade. As Raincoats falarão da sua história, tendo como pano de fundo The Raincoats, livro assinado pela americana Jean Pelly e incluído na série 33 1/3, dedicada a álbuns históricos da música popular urbana.

Em 1974, Ana da Silva ficou então em Londres. Entusiasmou-se com o fervilhar cultural e musical da cidade e com o “abanão” que trouxe o punk. Inscreveu-se num curso de Artes, viu os primeiros concertos dos Sex Pistols e dos Clash, viu Patti Smith e ficou deslumbrada, viu as Slits e sentiu com Gina Birch, a amiga com quem fundaria as Raincoats, a urgência de criar música.

Em cinco anos, as Raincoats, cuja formação inicial clássica estabilizaria em Ana da Silva (voz e guitarra), Gina Birch (baixo e voz), Palmolive (baterista, vinda das Slits) e Vicky Aspinall (violino), deixaram marca indelével na história da música popular urbana. Travestiam a folk de experimentalismo livre, desconstruíam o rock até este se transformar na voz personalizada daquelas quatro mulheres. Faziam o violino pairar sobre as melodias como os Velvet Underground, moldavam o formato canção à sua força expressiva e, pelo caminho, davam nova vida ao hino queer dos Kinks, Lola. “Num minuto, pareceram destruir todos os estereótipos femininos do rock’n’roll”, escreveu em 1980 o decano crítico musical americano Greil Marcus depois de as ver em concerto – não por acaso, tornaram-se ícones do movimento feminista riot grrrl da década de 1990. Editaram quatro álbuns – The Raincoats (1979), Odyshape (1981), Moving (1984) e, no início da sua segunda vida, Looking in the Shadows (1996). Este último teve génese numa visita inesperada, nos anos 1990, ao local onde trabalhava então uma Ana da Silva desligada da música.

Kurt Cobain sabia bem o que estava ali a fazer, naquela loja de antiguidades em Notting Hill, Londres. Tinham-lhe dito na editora Rough Trade que ali trabalhava Ana da Silva e o guitarrista e vocalista dos Nirvana sabia bem o que ela fizera em anos passados. Sabia tão bem que gastara a sua cópia de The Raincoats. Kurt Cobain queria falar com a autora de música que, dizia, tinha sido refúgio e conforto durante a sua depressão adolescente, e procurava uma nova cópia do disco para substituir o seu. Ana estava desligada das novidades da música e não sabia quem ele era. Descobriria depois. E seria o interesse renovado nas Raincoats que as levaria a reunirem-se novamente e a manterem uma actividade intermitente desde então. “Nós aparecemos e desaparecemos, é como o sol aqui em Inglaterra”, ri do outro lado da linha telefónica.

A Ana da Silva que falou ao Ípsilon no início de Maio viaja pelo passado enquanto nos mostra o seu presente. Conta ter em breve novo álbum a solo para suceder ao “punk electrónico” (assim o define) de The Lighthouse (2005). Antes dele chegar, editará em Setembro outro disco, gravado em colaboração com a música japonesa Phew, e criado à distância, entre Inglaterra e o Japão, com recurso a sintetizadores analógicos. Entretanto, os concertos em Portugal. As Raincoats em formato trio – Ana da Silva, Gina Birch e a violinista Anne Wood. “Gosto muito desta versão da banda, deixa espaços para o violino, a guitarra e o baixo que, de outra forma, não existem”, explica. Em três concertos, veremos as Raincoats que, a partir daquele final dos anos 1970, no centro da acção, Londres, dinamitaram com estrondo e graciosidade aquilo que o rock devia ser, aquilo que se julgava que a ideia de rock no feminino poderia ambicionar.

Esta digressão das Raincoats nasceu do convite para a banda participar numa conferência do âmbito do KISMIF, congresso que emana do meio académico. Imagino que ter o punk e o do it yourself como alvo de estudo académico seja algo que lhe pareceria muito distante quando as Raincoats davam os primeiros passos.
É verdade, mas tudo o que já foi feito por alguém é sempre uma lição. Falar sobre punk e outras artes influenciadas por ele é bastante interessante, porque é parte da cultura e, sendo parte da cultura, é importante que as pessoas saibam como foi, porque foi, e quais as suas consequências. A [música, jornalista e académica] Vivien Goldman, que escrevia sobre música [NME, Melody Maker ou Sounds], tornou-se professora de punk numa universidade [New York University]. Foi a primeira vez que tomei conhecimento de qualquer coisa nesse sentido. A partir daí, as pessoas têm escrito muitos livros, com boa informação e pontos de vista interessantes. Acho que é importante as pessoas que não assistiram a tudo aprendam um bocado as razões que conduziram ao punk. O que o motivou pode continuar a existir: uma atitude de irreverência, um desejo de mudar as coisas. Claro que muita gente tem esse desejo há muito tempo, isso não nasceu com o punk, mas o punk tem a sua forma de ir contra as coisas. Nasceu contra os movimentos de música anteriores, também como movimento político. Foi um abanar. E, para mim, essa atitude de abanar foi muito refrescante.

Quando se depara com ele? Quando toma consciência desse novo movimento, o punk?
Vim de Portugal em 1974, quando terminei os estudos. Por um lado, tive muita pena porque estava a acontecer tanta coisa em Portugal, mas eu tinha acabado de estudar e gostava muito de música anglo-americana. Além disso, quando vim não era para ficar. Vinha só um tempinho, para ver. Quando tudo começou a acontecer, porque o punk só começou verdadeiramente em 1976, na altura dos primeiros concertos, os dos Sex Pistols, um ou outro de Siouxsie And The Banshees, foi para mim outra revolução.

Como se transformou esse entusiasmo, enquanto membro do público, no desejo de fazer música e de subir a um palco?
Mais que subir a um palco, era o desejo de fazer música. A primeira vez que estive em palco, pensei: “Que palermice, o que é que eu estou aqui a fazer? Quem sou eu para me pôr à frente desta gente toda a tocar música?”. Só queria que aparecesse um buraco no chão para eu desaparecer. O que queria era mesmo criar música. Mas depois habituei-me. Hoje, tal como quando tocávamos muito ao vivo, gosto muito da conexão com o público, gosto de ouvir a música muito alto. E cantar é uma experiência forte, diferente de ouvir a música de outras pessoas. Ontem [1de Maio] fui ouvir a Angel Olsen e uma cantora que tem andado em tournée com ela, a Heather McEntire. Enquanto via os concertos, pensei que gostava de estar dentro da cabeça delas a ouvir a música a sair assim de mim. Quando cantamos, sentimos diferente.

Cantar numa banda com as Raincoats seria mais especial ainda. Estavam a criar algo de novo, pela estrutura das canções, pelas melodias, pelas letras. Nunca tínhamos ouvido nada assim antes.
Ou depois (risos). Digo-o porque, por vezes, vêm falar-me de uma banda dizendo que lhes faz lembrar as Raincoats. Eu ouço e não vejo as semelhanças, o que é bom. É bom cada um fazer a sua coisa e acho que a nossa é um bocado diferente.

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Em cinco anos, as Raincoats travestiram a folk de experimentalismo livre, desconstruiram o rock até se transformar na voz personalizada de quatro mulheres
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O facto de não serem músicas com muita experiência, o facto de a Ana e Gina Birch, as fundadoras da banda, serem no início relativamente amadoras nos seus instrumentos contribuiu para essa originalidade, no sentido de as conduzir a sons e soluções musicais inesperados?
Bem, eu já tocava um bocadinho de guitarra. A Vicky [Aspinall, violinista] tinha formação clássica e a Palmolive tinha vindo de outra banda [as Slits], portanto já tinha alguma experiência. Claro que não éramos daquelas músicas de estar para ali a tocar solos. Não sei fazê-lo, nem me interessa saber fazê-lo, porque não é assim que me quero exprimir. Fazíamos que que fazíamos e não pensávamos muito na razão pela qual o fazíamos. Fizemos o que saiu de nós, vivendo aquela época. Se a época fosse diferente, a música seria diferente. Se uma de nós fosse outra, a música seria diferente. Noutras bandas, troca-se o baterista ou o baixista e não faz diferença. Connosco não é assim.

Fairytale in the supermarket, o single de estreia das Raincoats, revelava logo uma faceta essencial à banda. Kim Gordon dizia que pareciam “pessoas normais a fazer música extraordinária”. Nas vossas canções acontecia o mesmo. Pegavam em pedaços banais do dia-a-dia e transformavam-nos em algo maior.
A arte é, em parte, isso. Elevar as coisas da vida e dar-lhes outra dimensão. Não éramos pessoas perfeccionistas, no sentido de tocarmos tudo muito perfeitinho. Interessava-nos mais aperfeiçoar a composição do que aperfeiçoar a técnica. Para mim, isso foi sempre muito mais importante. Além do mais, acho que erros não são uma coisa má. Não são erros, são um afastamento daquilo que se está à espera. Não fazemos as mesmas coisas todos os dias e, para mim, um disco é do momento e tem as características desse momento. Se tocássemos a mesma canção cinco minutos depois, já seria um bocadinho diferente e as arestas estariam noutro sítio.
Cada canção das Raincoats parece, de facto, um momento em si mesmo. Como se pensassem cada uma delas não em relação à identidade da banda, mas concentradas no que queriam transmitir naqueles três minutos de música.
Cada canção tinha a sua história. Não tentávamos que uma fosse diferente da outra, mas saíam assim. Não tínhamos um estilo relacionado a outros estilos musicais. Quem os segue, segue as suas normas. Como nós não seguíamos estilo nenhum, não tínhamos outras normas a não ser as nossas. Além disso, não estávamos a tentar construir uma carreira. A nossa atitude nascia da vontade de fazer arte e esperar que outras pessoas gostassem. Como tínhamos uma vida muito simples, não precisávamos de dinheiro. Eu e a [manager e fotógrafa] Shirley [O’Loughlin] vivíamos num apartamento do município com renda controlada, as outras viviam em squats em que não pagavam rendas, portanto fazíamos uma vida muito barata e podíamos dar-nos a esse luxo. Hoje em dia as pessoas não se podem dar a esse luxo, não são livres dessa forma.

A originalidade das Raincoats foi prezada e muito elogiada. Destacaram-se ao ponto de, em 1980, John Lydon ter proferido uma declaração célebre na vossa história. “O rock’n’roll é uma merda… A música atingiu o seu ponto mais baixo – excepto pelas Raincoats”.
Tivemos críticas muito boas, algumas más, e ouvimos pessoas que respeito muito dizerem bem do nosso trabalho, mas acho que nunca tive a noção que o que fizemos teve uma certa importância até mais tarde. Fizemos os discos, acabámos a banda, fomos todas à nossa vida e, depois, não sabíamos que em sítios como Olympia, Seattle, as pessoas estavam a apreciar a nossa música. Julguei que as pessoas tivessem os discos na estante, como eu tenho tantos que nunca mais ouvi. Pensei que tinham ficado ali, entre os Ramones e outra coisa qualquer, e foi surpreendente descobrir que tanta gente ainda nos ouvia e tirava da nossa música qualquer coisa de importante. Senti que a nossa música não tinha morrido quando comecei a fazer a nossa página de MySpace e as pessoas começaram a deixar comentários – “se não fosse pela vossa música, não sei o que me teria acontecido”. Claro que antes, com a história toda das riot grrrl e do Kurt Cobain, que nos referiam, percebi que era mais abrangente do que simplesmente continuar a ter algumas pessoas a ouvir e a gostar. Mais abrangente no sentido de haver quem se tivesse inspirado na nossa música para fazer a sua.

O discurso à volta das Raincoats refere sempre o facto de serem uma banda feminina num meio, o do rock, historicamente masculino. Fala-se das Raincoats como ícones de um punk feminista. As questões de género eram importantes na acção da banda, naquilo que era a música que criavam?
Essas questões surgem um bocado depois. [Quando começam as Raincoats] Já existiam as Slits, que eu já tinha visto, já existiam outras bandas. Para mim, não era estranho uma mulher fazer o que quer que fosse. Eu já tinha lido sobre bandas femininas americanas num livro que comprei antes de ter uma banda – tenho que o encontrar outra vez. Acho interessante que o tenha comprado, significa que já devia ter em mim a ideia de que era um tema interessante para investigar. Mas foi quando eu e a Gina vimos as Slits que pensámos em ter uma banda. Conhecíamos outras pessoas com bandas e íamos aos concertos a sítios muito pequenos, sempre com muitas raparigas e muitos rapazes, tudo misturado. Na minha cabeça, não era uma coisa tão estranha, mas claro que a maior parte das mulheres que estavam em bandas eram cantoras, com poucas excepções, como a da Moe Tucker. Estávamos na altura em que começaram a aparecer mais mulheres a tocar música, mas tudo leva algum tempo a desenvolver-se. Uma vez tocámos com os UB40, numa iniciativa chamada “Jobs for Youth” [em Birmingham, 1981]. Estava cheio de putos de 14, 15 anos e foi um horror. Achavam que éramos umas velhotas – para miúdos de 14, 15 anos, alguém nos vintes já é velho. Ainda por cima, éramos mulheres e o que tocávamos não era reggae nem era muito compreensível para eles. De maneira que nos atiraram com coisas. Foi a única vez e foi horrível. Tocámos dois dias seguidos e, no segundo, já sabíamos ao que íamos e eles também já sabiam. Já vinham mais preparados, com tomates e assim (risos). Foi uma experiência única e nunca mais quisemos outra. Não vale a pena tocar para pessoas que não sabem relacionar-se com o que fazemos.

No início dos anos 1980, publicou um pequeno livro, Raincoats - Booklet. Nele escrevia que, no geral, as canções das Raincoats não abordavam necessariamente questões femininas. “Ainda assim”, acrescentava, “deixo estas perguntas”: “Sendo mulher, podes andar sozinha quando a noite cai, sem seres importunada ou violada? Podes sentar-te no cinema sem correr o riso de ter alguém ao teu lado que não está, de todo, interessado no filme? Podes ir a um pub sozinha sem sentir que uma mulher é tantas vezes vista como um objecto disponível para ser apanhado por qualquer homem?”. São questões que vemos hoje serem colocadas, exactamente nos mesmos termos. Nesse sentido, aparentemente, nada mudou.

Naquela altura era extremamente difícil classificar-nos apenas como feministas, porque a palavra era vista como uma descrição de mulheres ressabiadas e sem piada. Hoje digo: sim, somos feministas. A palavra tem o mesmo significado, mas outras conotações: espirito forte, independente, aberto, vivo - coisas positivas. Pensávamos que, com as novas atitudes dos anos 1960 em relação à posição da mulher, a imagem da mulher deixaria de ser usada como ainda é, que deixaríamos de ver aqueles anúncios a carros com as mulheres sentadas em cima deles, coisas que sempre achei horríveis. São horríveis as pressões que existem agora, principalmente para as miúdas mais novas, para serem perfeitas. E claro que se sentem muito imperfeitas e deprimidas se qualquer coisa nelas não segue aquilo que se diz que são as regras de beleza. Uma vez disseram à [modelo] Naomi Campbell que gostavam de ser como ela, e ela respondeu “eu também”. Achei piada a isso. A perfeição não existe. Por isso é que gosto que a nossa música tenha imperfeições.

Porque se separaram depois da edição de Moving, em 1984?
Tornou-se difícil. Quando lidamos com pessoas criativas, cada uma tem as suas ideias e pode acontecer que umas se comecem a sentir isoladas, não apreciadas. Foi o que senti e foi por isso que decidi que não queria continuar. A Shirley teve a ideia de, dado que tínhamos música suficiente para fazer um álbum, gravarmos o Moving, em que cada uma dirigiria as suas próprias canções. Todas davam ideias, mas a última palavra seria da compositora. Assim fizemos e correu tudo muito bem. Depois, cada uma para seu lado.
Passou depois vários anos desligada do cenário musical. O que a fez regressar, sentir de novo o entusiasmo por ensaiar, compor, gravar?
Quando a banda a acabou, arranjei um trabalho e não pensei em fazer música outra vez, mas entretanto comecei a sentir aquela pulguinha… Arranjei uma banda com o Charles Hayward [baterista dos This Heat], mais um nos teclados e uma no clarinete baixo e no contrabaixo. Era fantástico, mas vivíamos muito longe uns dos outros e a banda [Roseland] desfez-se. Demos dois concertos e desaparecemos.

Entretanto, perante o entusiasmo das riot-grrrl e de Kurt Cobain, que lhe apareceu na loja de antiguidades em que trabalhava, sem que a Ana soubesse quem era o líder dos Nirvana, as Raincoats reuniram-se, gravaram um quarto álbum [Looking in the Shadows, 1996] e continuam activas de forma intermitente desde então. O ano passado, o percurso da banda foi mesmo vertido para livro, com Jenn Pelly a assinar The Raincoats para a série 33 1/3. Que sensações a atravessaram ao reencontrar-se nele com a sua própria história?
O livro da Jenn fez-me sentir que aquilo que fiz valeu a pena e que continua a ter algum impacto. Aqui há uns meses fui ver três bandas. As Priests e as Downtown Boys, ambas americanas, e as Big Joanie, que são inglesas. Duas delas têm um ou dois homens, mas são bandas principalmente femininas, e todas têm bateristas femininas. Isso para mim foi fantástico de ver no mesmo concerto. Durante a noite duas raparigas reconheceram-me e vieram falar comigo. Tinham bandas e perguntei-lhes e o que tocavam. Eram as duas bateristas. Ou seja, estavam cinco bateristas mulheres no mesmo concerto. Achei fantástico. Na altura em que começámos, se calhar não havia cinco mulheres bateristas em Londres.

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