Nestes últimos dias fomos presenteados com a notícia de que os gestores, em Portugal, ganham cerca de 46 vezes mais do que os trabalhadores e em alguns casos, como no grupo Jerónimo Martins, ganham 155 vezes mais. Isto significa que nos últimos três anos os salários dos presidentes executivos aumentaram cerca de 40 por cento, resultando isto num fosso gigantesco entre eles e os trabalhadores.
Não é novidade para ninguém que em Portugal, no que toca à remuneração de gestores e presidentes executivos, se praticam valores que superam até os níveis médios dos valores que se pagam na União Europeia, mas o que me surpreende é o facto de a sociedade não olhar para estes valores como algo de aberrante.
Todos conhecem as dificuldades que este país tem de enfrentar para subir o salário mínimo, as pensões ou os apoios dados a quem estuda. Passa agora, também, a ser conhecida a disparidade salarial praticada. Tudo isto é resultado de anos e anos a apregoar a política de baixos salários como referência no que toca à competitividade e à sustentabilidade do emprego, numa tentativa bem conseguida de manter, apesar das dificuldades que atravessamos, os grandes lucros das multinacionais.
A distribuição da riqueza em Portugal está inquinada à partida quando os accionistas, gestores e especuladores levam a maior fatia dos dividendos, deixando migalhas para quem, dia após dia, se levanta para trabalhar e fazer dessas empresas as referências que são hoje. Se tantos lucros se podem distribuir, aos trabalhadores se deve, à sua entrega e emprego da sua força de trabalho, negligenciando, muitas vezes, as suas próprias vidas pessoais para não deixar mal as empresas. Acontece que os trabalhadores não recebem aquilo que lhes é devido, à conta de um pretexto bacoco de boa gestão das empresas.
Ora, se de um lado temos os trabalhadores que com a sua força de trabalho criam a riqueza e recebem salários que não lhes permite viver como desejariam, do outro temos os gestores e accionistas que, dividindo os muitos lucros, gozam dos frutos de uma riqueza que não é inteiramente deles.
Nunca antes foi tão latente o problema da precariedade, horários desregulados, falta de segurança e condições no trabalho, bem como os baixos salários. É agora que devemos reflectir e agir sobre a situação destes precários que não têm proveito nem participam na divisão da riqueza que eles próprios criaram. Em Portugal acontece uns estranho fenómeno que só pode ter lugar numa sociedade onde o lucro é rei e senhor: empobrece-se trabalhando. Seria de esperar que, tendo emprego e trabalho, estivessem criadas as condições para prosperar na vida e realizar as nossas aspirações, mas isso não acontece porque, neste momento, seria preciso uma pessoa trabalhar 150 anos para auferir o que um presidente executivo ganha em um.
Será esta disparidade saudável para uma economia que se quer pujante? Será que não devíamos repensar a forma como distribuímos a riqueza criada?
Continuamos a ser dos países com a média salarial mais baixa da União Europeia mas continuamos a achar que subir os salários é um luxo que não conseguimos suportar, ao mesmo tempo que enchemos os bolsos com valores absurdos a quem, muito provavelmente, vai investir o dinheiro fora do nosso país. Não podemos almejar ser um país competitivo quando a única coisa que se pode ter como comparável àquilo que se pratica lá fora são os salários dos gestores.