Em tempos cruzei-me com um amigo de infância com quem já não estava há uns anos. Vinha com um ar apressado e a sua expressão não escondia a ansiedade, talvez fruto de um dia intenso de trabalho. Era véspera de feriado e eu já estava preparada para abrandar o ritmo frenético a que algumas empresas tão bem nos têm habituado nos últimos tempos.
As tarefas que caem em catadupa, as reuniões consecutivas a qualquer hora do dia, os objectivos, muitas vezes irrealistas, a (não) cumprir diariamente. Sendo que, no final, há sempre algo que fica por fazer, consequência de uma de duas coisas: ou falta de tempo para tanta tarefa ou fraca capacidade de gestão do mesmo.
Mas bem, estava a falar do meu amigo. Daquele que estava ansioso e apressado. Contou-me que agora trabalhava numa grande empresa. Tinha finalmente conseguido a vaga que durante tanto tempo ambicionara. Liderava uma equipa de dez pessoas e testava todos os dias os seus limites como profissional: não esperavam dele nada menos do que a excelência. Tudo tinha que estar feito e bem feito. Afinal era uma honra para ele trabalhar naquela grande organização, uma organização que lhe deu uma oportunidade de ouro e que não esperava menos do que um reconhecimento em forma de trabalho executado.
Perguntei-lhe se estava a gostar. Hesitou, mas acabou por me deixar com um: “Estou num sítio muito bom.” Para mim, uma não resposta. Não lhe perguntei como era o sítio onde ele trabalhava, perguntei se estava a gostar. Após uma sequência de “não respostas”, decidi que o melhor seria mudar de assunto. Questionei o que iria fazer durante o feriado. Aí já consegui uma resposta: “Vou trabalhar, claro. Tenho coisas para adiantar e o feriado dá sempre jeito para isso.” Afinal mais valia ter-se ficado pelas não respostas do início.
Não é que eu nunca o tenho feito. Já o fiz, várias vezes. Em fins-de-semana, feriados e até durante algumas férias. Gosto de me sentir útil e adoro trabalhar. Não foi isso que me chateou. O que veio a seguir sim, espoletou em mim vários sentimentos. A ira e algum desconforto foram alguns deles.
“Olha aqui, uma colega minha colocou um post com algumas dicas de como aproveitar o feriado... para trabalhar!”, disse-me ele. Eu pergunto-me apenas: qual a necessidade de estar constantemente a gritar ao mundo que se está SEMPRE a trabalhar? É que, sejamos honestos, ninguém está sempre a trabalhar. Ou, se estão, não estarão a produzir tanto assim.
“Filhos? Ficaram com outra pessoa. Maridos, mulheres, namorados e namoradas? Já se está com eles todos os dias, muitas vezes durante a semana e em ambiente de trabalho, mas who cares? Já estamos com eles. Tempos de lazer? Já não sei o que isso é, não tenho tempo.” Estas são as respostas que nunca ouvimos, que ficam por dizer porque não fica bem verbalizar estas barbaridades. Já estar sempre a dizer que se aproveita cada hora livre para trabalhar fica sempre bem.
Mas a realidade não foge muito disto. O tempo nunca é suficiente, há sempre mil afazeres e, sem razão aparente, aqueles que merecem mais a nossa atenção ficam inevitavelmente para segundo plano porque vão sempre compreender que há tarefas que não podem esperar.
Pois eu discordo. Eu acho que há tarefas que não podem esperar, mas também há outras que podem. As prioridades é que estão todas trocadas. As dos baby boomers, dos millenials, dos centenials e de todos os nomes que queiram dar às gerações que já ca estão e que ainda aí vêm. Talvez esteja na altura de perceber o que está a acontecer à nossa volta. De descobrir o que leva a que tanta gente sinta que ganha credibilidade e respeito por dizer que está sempre a trabalhar. De começar a perceber que é grave ter as prioridades todas trocadas.
Talvez este seja um bom momento para repensar o verdadeiro valor daquilo que nos é e será sempre mais valioso: o tempo.