Diários de viagem de Einstein revelam "comentários racistas"
Mais tarde, o físico tornou-se um defensor dos direitos dos negros nos EUA e considerou o racismo "uma doença dos brancos".
Uma série de observações registadas por Albert Einstein em diários de viagens pela Ásia e pelo Médio Oriente, entre 1922 e 1923, mostram que o cientista e humanista nascido na Alemanha tinha, por essa altura, uma visão estereotipada de alguns povos, em particular dos chineses. Uma década depois, com a subida dos nazis ao poder no seu país natal, Einstein viria a tornar-se numa das vozes da denúncia da segregação nos Estados Unidos, definindo o racismo como "uma doença dos brancos".
O físico é lembrado pelas suas posições contra a discriminação racial tanto na Alemanha como nos Estados Unidos, onde passou a viver a partir de 1933 – pouco depois da ascenção do Partido Nazi ao poder e de uma década de discursos e acções de violência contra os judeus.
Num dos discursos mais vezes lembrado, proferido na Universidade Lincoln (Pensilvânia, EUA), em 1946 – a primeira instituição norte-americana a conceder diplomas a afro-americanos –, Einstein disse que o racismo é "uma doença dos brancas".
Para além desse discurso, Einstein teve várias intervenções públicas contra o racismo e a segregação que o posicionaram na História não só como um físico brilhante como também um humanista.
Agora, com a publicação de alguns diários de viagem escritos no início da década de 1920, fica a conhecer-se a visão estereotipada com que Einsetein olhava para alguns dos povos que foi encontrando nas suas viagens pela Ásia e pelo Médio Oriente.
Os chineses – escreveu Einstein – são "um povo diligente, imundo e obtuso", e no Sri Lanka (então Ceilão), o fisico encontrou pessoas "que vivem em grande imundice no chão, que fazem pouco e precisam de pouco".
Estes textos intimistas, que não se destinavam a ser publicados, foram agora traduzidos do alemão e publicados pela primeira vez em inglês pela Princeton University Press. Os diários já tinham sido publicados em alemão, como parte de uma colectânea de ensaios e trabalhos académicos de Albert Einstein, com algumas traduções suplementares em inglês.
Ze'ec Rosenkranz, responsável pela tradução do texto e director assistente do Projecto Einstein Papers (do Instituto de Tecnologia da Califórnia), disse que é normal que estes comentários choquem o leitor actual. "Acho que muitos destes comentários nos parecem muito desagradáveis – especialmente o que ele diz sobre os chineses", disse Rosenkranz em declarações ao Guardian.
Isso deve-se ao contraste "com a imagem pública do grande ícone humanitário". "Acho que é um pouco chocante lê-los e contrastá-los com as afirmações públicas. Estão mais desprotegidos, ele não os escreveu para serem publicados."
Einstein tece também comentários de "extrema misoginia" sobre as mulheres chinesas, quando escreve, de forma depreciativa, que "há pouca diferença entre homens e mulheres", e que não compreende como elas conseguem ter tantos filhos. "Notei a pouca diferença que há entre homens e mulheres e não percebo que tipo de atracção fatal têm as mulheres chinesas que enfeitiçam os homens a tal ponto que são incapazes de se defenderem contra a bênção extraordinária da descendência".
Pelo contrário, as percepções sobre japoneses são positivas: "Os japoneses são modestos, decentes e muito atraentes", escreveu. "Almas puras, como ninguém. Uma pessoa ama e admira este país." Mas, como salienta Rosenkranz, a reflexão conclui com um comentário depreciativo: "As necessidades intelectuais desta nação parecem ser mais fracas do que as necessidades artísticas – disposição natural?", questiona Einstein.
"A entrada do diário de Einstein sobre a origem biológica da alegada inferioridade dos japoneses, chineses e indianos não devem ser minimizadas e podem ser vistas como racistas – nestes momentos, os outros povos são vistos como sendo biologicamente inferiores, uma bandeira do racismo", argumenta Rosenkranz. "O comentário inquietante sobre a possibilidade de os chineses virem a 'suplantar todas as outras raças' é um dos mais reveladores neste aspecto."
Rosenkranz disse ao Guardian que, embora as visões de Einstein fossem prevalentes à época, não eram universais. "Essa é a reacção que recebo – 'temos de perceber, era o espírito da época [zeitgeist, no alemão], parte do seu tempo'", disse o editor. Mas a verdade é que "havia mais pontos de vista, e pontos de vista mais tolerantes", disse. "Parece que Einstein teve algumas dificuldades em reconhecer-se na face do outro", conclui.