“Cimeira de Junho é importante, mas não será a última sobre a reforma do euro”
Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, aconselha os líderes europeus a tomar decisões agora, mas reconhece que muitos detalhes ficarão para depois.
Presente em Lisboa para participar na conferência “O Futuro do Mecanismo Europeu de Estabilidade”, Klaus Regling esvazia as expectativas em relação à tomada de grandes decisões sobre a reforma da zona euro no conselho europeu que se realiza no final deste mês, afirmando que após o encontro ainda será preciso “algum tempo para que os detalhes fiquem definidos”. Ainda assim, afirma, “é importante chegar a algumas decisões agora”. Uma das decisões esperadas é o reforço do papel do MEE em futuros resgates, algo para o qual se diz ”preparado”, mesmo sabendo que pode ser “inevitável que uma instituição com esta tarefa não seja muito popular”.
Acredita que os líderes europeus irão conseguir chegar a um acordo de reforma do euro significativo na cimeira do final deste mês?
Penso que sim, embora na Europa, as coisas avancem sempre através de pequenos passos. A cimeira de Junho é importante, mas não será a última cimeira onde se discutirá este tema. O que desejo é que se possa chegar a algumas conclusões gerais sobre a conclusão da união bancária e sobre o papel futuro do MEE. Mas ainda vamos precisar de algum tempo para que os detalhes fiquem definidos. Vai haver mais cimeiras na segunda metade do ano, portanto pode-se imaginar que se irá definir qual o itinerário a seguir após a cimeira de Junho, para que se chegue a um acordo mais preciso, talvez em Dezembro.
Vê na recente entrevista de Angela Merkel sinais de que um acordo com Emmanuel Macro está mais próximo?
Sim, penso que estão cada vez mais próximos um do outro. A Alemanha e França continuam a trabalhar juntas, os ministros das Finanças dos dois países encontraram-se no passado fim-de-semana e os dois governos voltam a reunir-se no dia 19, com o objectivo principal de chegarem a uma posição conjunta para a cimeira de Junho. Não sei qual irá ser o resultado, mas os dois países estão a tentar de uma forma muito séria chegar a uma posição e isso é muito positivo. Isto já aconteceu muitas vezes no passado: no princípio, os países não têm as mesmas ideias sobre um determinado assunto, mas depois trabalham nisso e conseguem um acordo. Mas claro, no final, os outros membros da zona euro também vão ter de concordar.
Habitualmente, os avanços na Europa acontecem nos momentos de crise. Agora não estamos em crise, esta oportunidade de fazer mudanças pode ser perdida?
É verdade que, nas crises, as decisões podem ser tomadas muito rapidamente. Já em circunstâncias mais normais, as decisões na Europa demoram tempo, porque estamos a lidar com 19 países na zona euro e com 28 na UE e todos estes países são nações soberanas e independentes. Chegar a um consenso não é fácil. Já vimos uma crise a acelerar decisões quando o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) foi criado em 2010 e quando o MEE foi criado em 2012. Também aconteceu o mesmo com a união bancária e com a aprovação de programas de ajustamento para cinco países. Agora, é evidente que estamos satisfeitos que não haja uma crise agora na zona euro e acredito que será possível atingir progressos sem estar numa crise. Os Governos estão a esforçar-se muito e é importante que o consigam fazer este ano porque a situação económica é favorável, vai haver eleições no próximo ano para o Parlamento Europeu e haverá depois uma mudança na composição da União Europeia, algo que, naturalmente interromperá o processo. É por isso que é importante chegar a algumas decisões agora, e penso que há uma boa possibilidade de isso acontecer.
Já se mostrou favorável à criação de uma capacidade orçamental na zona euro. O que Angela Merkel disse sobre esse tema é suficiente?
O que é importante é que se chegue a um entendimento de que uma capacidade orçamental é uma adição útil aos instrumentos actualmente disponíveis na união monetária. Nesse sentido, a entrevista da chanceler Merkel foi importante, porque ela referiu uma hipótese. Há países a defender outras opções, e é importante aproximar essas ideias, que é o que está a acontecer nas conversas de preparação da cimeira.
Acha que uma capacidade orçamental deve servir apenas para ajudar os países a enfrentar crises ou também para garantir uma maior convergência entre as economias?
As duas coisas são possíveis, embora se deva lembrar que já temos instrumentos para lidar com a convergência. Há transferências via orçamento da UE, que sempre foi desenhado de uma forma a que os países com rendimentos abaixo da média da UE sejam beneficiários líquidos e os países mais ricos sejam contribuintes líquidos. Portanto, já temos um mecanismo de transferências e a única razão para que isso aconteça é a tentativa de promover a convergência. Se já temos esse instrumento, então não temos de inventar - seria um fundo para a estabilização macroeconómica, que pode ser mais difícil de delinear e mais difícil de garantir um acordo unânime. Mas está na agenda, e a entrevista da chanceler Merkel foi uma contribuição importante para esse debate.
Para onde vê o debate sobre a união bancária caminhar? Angela Merkel optou por não se referir a um mecanismo de seguro de depósitos comum…
Não espero decisões finais, mas talvez um compromisso de mais trabalho em volta dos detalhes. Há dois elementos em falta para completar a união bancária. Um é a garantia para o Fundo Único de Resolução, e aqui já quase existe um consenso de que o MEE pode providenciar essa garantia, não estando ainda definido quando é que tal ficará operacional. O outro elemento é o mecanismo de seguro de depósitos comum. Isso é ainda controverso, particularmente no que diz respeito à definição do momento em que tal poderá existir. A maioria das pessoas concordará que, agora que temos uma supervisão comum, também precisamos de ter um seguro de depósito comum, mas a controvérsia está nas condições que são necessárias para tornar isto possível, o que inclui o problema do crédito mal parado e do nível de dívida soberana detida pelos bancos, que são elevados em alguns países.
Não será possível definir ao menos um calendário?
Não será fácil, mas é possível. A questão é qual o progresso que achamos ser necessário nas questões do crédito malparado e da dívida soberana – que em certa medida são legados da crise – antes de avançarmos para um seguro de depósito comum. Essa é a questão fulcral. Pode demorar algum tempo até chegarmos a esse ponto, mas já é importante que haja um compromisso de que isso irá eventualmente acontecer.
Onde já parece haver consenso é em torno da ideia de fortalecer o MEE. Como é que imagina o MEE no futuro?
O MEE já fez um longo caminho. Inicialmente foi criado para mobilizar dinheiro, para emitir obrigações e para encontrar nos mercados investidores que financiassem os programas de ajustamento. Acho que temos feito isso bastante bem. Mas agora estamos prontos para outras tarefas. Um novo papel pode ser o de providenciar a garantia para o Fundo Único de Resolução. Também podemos imaginar que desempenharemos um papel se forem criados outros instrumentos, como um fundo de estabilização macroeconómica. Depois, se houver a necessidade de um novo programa de ajustamento – não vejo isso a acontecer brevemente, mas um dia haverá uma nova crise – então parece provável que a Comissão Europeia e o MEE serão chamados a gerir juntos essa situação e a desenhar, negociar e monitorizar esse programa. Dessa forma, o papel do MEE tornar-se-á mais forte, e eu penso que estamos preparados para isso.
Vai tornar-se mais forte, mas ao mesmo tempo ficará bem mais visível para as populações…
Bem, o MEE não faria isto sozinho. Aqueles que pensam em reforçar o papel do MEE, deixam sempre claro que o MEE actuará em conjunto com a Comissão Europeia. A Comissão tem as competências e a experiência em muitas áreas relevantes e não queremos duplicar isso. Mas, tirando isso, é verdade: com um mandato mais alargado, o MEE tornar-se-á mais visível.
Acha que o MEE será sujeito a mais ou menos escrutínio que o FMI, por ser uma instituição europeia?
Há sempre o risco de uma instituição que recomenda ajustamentos e reformas não ser muito popular. Isso, provavelmente, é inevitável. Nós disponibilizamos dinheiro como o FMI, quando um país perdeu acesso ao mercado. E para reconquistar acesso ao mercado, os ajustamentos e as reformas são necessários. Isso pode ser doloroso. O que é preciso é que as medidas recomendadas sejam definidas em conjunto com o governo do país em causa e é preciso explicar muito bem porque é que certas medidas são necessárias. Mas pode ser inevitável que uma instituição com esta tarefa não seja muito popular.
Muitas vezes, nesta discussão, o MEE é apresentado com a instituição mais técnica, em oposição a uma Comissão Europeia política.
Muito do trabalho da Comissão é também muito técnico. Quando olho para os últimos dois anos, as decisões políticas são tomadas pelo Eurogrupo. As instituições preparam essas decisões e esse é um trabalho essencialmente técnico.
Vê o MEE a ter um papel na fiscalização do cumprimento das regras orçamentais europeias?
Não, esse é o papel da Comissão Europeia e esse papel é-lhe dado nos tratados da UE. Por isso, só é possível mudar isso se os tratados forem mudados, algo que certamente não está na agenda para os próximos anos.
Qual a importância que teria para o bom funcionamento do MEE, que algumas vezes terá de decidir com urgência, se as decisões deixassem de ter de ser por tomadas por unanimidade?
Claro que é sempre mais fácil quando as decisões são tomadas por maioria ou por maioria qualificada. Mas não vejo vontade dos Estados-membros de abdicar da decisão por unanimidade no futuro imediato. Pode ser que isso um dia mude, mas não no futuro imediato. E, também é verdade que isto nunca foi um problema durante os últimos anos. Numa crise, toda a gente se junta e, no fim, toma a decisão necessária.