Todas as exposições de prémios artísticos são imperfeitas, assimétricas e injustas. As razões prendem-se não só com os processos de selecção de artistas, mas também com o facto de o acesso às obras seleccionadas ser sempre parcial: são fragmentos, ou amostras, de universos simbólicos, políticos e artísticos cuja dimensão e profundidade (ou a sua ausência) dificilmente se consegue compreender. Mas esta parece ser a condição de grande parte das colectivas de arte contemporânea, num museu, numa bienal ou noutro qualquer contexto. É condição resultante do facto do efeito procurado dizer mais respeito a uma ideia expositiva global, normalmente estranha e externa às obras individuais, do que à criação de condições de leitura e identificação das dinâmicas criativas que cada artista apresenta singularmente.
O Prémio Paulo Cunha Silva, na sua dimensão de exposição colectiva, ressente-se desses condicionalismos. A sua tarefa é identificar a partir de um esquema complexo de nomeação e selecção – João Laia, Julião Sarmento, Meg Stuart e Vicente Todolí identificaram um grupo de 16 curadores a quem pediram a selecção de três artistas; a partir dessa identificação de 48 nomes, 6 foram escolhidos para a exposição; um deles será premiado no dia 2 de Julho com 25 mil euros. É assim que trabalhos estranhos entre si e sem qualquer afinidade material ou conceptual são postos a conviver num mesmo espaço e tempo: Christine Sun Kim (USA), Jonathas de Andrade (Brasil), June Crespo (Espanha), Mariana Caló e Francisco Queimadela (Portugal), Naufus Ramírez Figueroa (Guatemala) e Olga Balem (Ucrãnia, a viver em Nova Iorque).
Para além de cumprir uma função de premiação e de memória do legado de Paulo Cunha e Silva, o elemento importante da exposição é ela oferecer um panorama pertinente das questões que no nosso tempo os artistas chamam a si. É desta forma que vemos juntarem-se questões sobre capacidades auditivas diferenciadas, o racismo, o corpo e a sua experiência enquanto objecto, a relação natureza-arte, a linguagem e a construção dos afectos ou a história do genocídio na Guatemala. Questões que levam a pesquisas conceptuais, formais e materiais impossíveis de juntar numa definição ou apresentação comum.
A tentativa parece ser a de fazer desta sala de exposições uma galeria do mundo, uma sala onde não se procuram afinidades formais ou materiais, nem tão pouco impor qualquer coerência dispositiva, mas colocar o visitante no centro da intensa proliferação das modalidades que, no nosso tempo, o fazer da arte possui. É inútil procurar temas comuns ou qualquer uniformidade material. É um tempo de dispersão e de proliferação e, neste sentido, uma exposição como esta não pode ser senão polifónica porque resulta da atenção dos artistas ao mundo. Um mundo tomado por um sentimento de urgência (na sua dimensão mais ampla, que vai do ambiente, aos direitos humanos, à diversidade de identidades, à necessidade da reflexão pós-colonial) a que os artistas tentam dar forma. A ausência de um denominador único que estabeleça similitudes formais entre obras e artistas (não há estilos, formas, ou materiais comuns) é compensada por essa necessidade em dar forma, voz, corpo, às urgências políticas que a todos assombram num mundo a beira do colapso. É uma urgência do mundo que não se pode deixar de atender. Fazer face a ela, a essa urgência, que é simultaneamente do mundo e da arte, tem diferentes traduções. Esta é uma exposição sobre o modo como diferentes indivíduos traduzem em imagens, gestos e objectos o mesmo sentimento. É uma exposição sobre a nossa própria contemporaneidade.
Claro que há obras melhores e piores, umas mais adequadas e outras menos. Mas decisivo é o facto de a exposição se pode assumir, nos seus aspectos de deriva e acaso a que está sujeita dado o processo de inclusão de obras e de artistas, como forte experiência da arte do nosso tempo.