No colapso da política, surge o militar Bolsonaro
O candidato da extrema-direita militar Bolsonaro não tem o apoio dos media, mas tem mais de cinco milhões de gostos no Facebook. Não tem o apoio de nenhum grande partido, mas tem a simpatia crescente de influentes correntes evangélicas brasileiras.
Estive recentemente no Brasil, em Minas Gerais e São Paulo, e vim de lá muito preocupado com o futuro próximo da democracia brasileira, com a convicção que as eleições de Outubro podem abrir o caminho a Jair Bolsonaro, um antigo militar populista da extrema-direita.
A primeira constatação é que as instituições políticas colapsaram, com um Presidente que chegou ao poder por via de um impeachment, cuja ilegitimidade se foi tornando mais evidente com a tentativa falhada de impor políticas em que os eleitores não tinham votado.
Se o descrédito de Temer é evidente – em Abril tinha um índice de desconfiança de 89% – o mesmo se passa com a câmara dos deputados e o Senado. Os grandes partidos da democracia brasileira, o PT, o PSDB e o MDB (antigo PMDB, o partido de Temer), não só enfrentam pesadas acusações de corrupção, como são responsabilizados pela crise que está a empurrar para a miséria muitos brasileiros que dela tinham conseguido sair.
Neste vazio de governo, os juízes foram-se intrometendo cada vez mais nas decisões políticas, quais salvadores da pátria – “in Moro we trust” – mas os cidadãos rapidamente compreenderam que não há governo de juízes. Se os magistrados podem tomar decisões políticas, como manter Temer no poder e acelerar o julgamento de Lula para que não possa concorrer às eleições, não podem impedir o agravamento da crise social ou fazer as reformas económicas e políticas necessárias.
Este contexto trouxe enorme descrédito à política e à própria democracia. Só 8% dos brasileiros considerariam que a democracia é muito boa, contra 33% que a considerariam “ruim”, de acordo com uma sondagem recente do Pew Research Center (a média mundial para a mesma questão seria, respetivamente, de 33% e 17%).
Esta descrença perante a democracia é fruto, em grande medida, das inquietações com o seu futuro de muitos milhões de cidadãos brasileiros. Antes de tudo da velha classe média, que viu com apreensão a ascensão da nova, e fustiga os programas sociais que tiraram 60 milhões de brasileiros da miséria, mas também da nova classe média que teme uma recaída. O populismo do candidato da extrema-direita militar Bolsonaro explora essas angústias das classes médias.
Muitos liberais recusam-se a pensar na possibilidade de ser eleito um candidato que defende o golpe militar de 1964 – dedicou o voto a favor do impeachment de Dilma ao militar que a torturou –, que ameaçou de violação uma deputada do PT, que não tem o apoio de nenhum dos grandes partidos. Todos ouvimos estas “impossibilidades” nos meses que antecederam o "Brexit", ou a eleição de Trump (embora este tivesse o apoio de um grande partido).
Bolsonaro não tem o apoio da comunicação social, mas tem mais de cinco milhões de gostos no Facebook, não tem o apoio de nenhum grande partido, mas tem a simpatia crescente de influentes correntes evangélicas (foi orador na mega “marcha para Jesus” de São Paulo, em Maio), e não é por acaso que um dos seus slogans é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, assumindo a ideologia do nacionalismo etno-religioso da democracia iliberal.
Nas ruas de cidades de Minas Gerais, em conversas ocasionais, foram vários os brasileiros que me afirmaram que Bolsonaro pode ser um perigo para as liberdades, mas, como os militares de 1964, irá combater a corrupção e garantir a segurança. É surpreendente que esta seja a imagem da ditadura militar, na mesma altura em que vieram a público documentos que provam o envolvimento direto do Presidente militar Ernesto Geisel no assassinato de opositores.
Nunca se procurou dar a conhecer os contornos da corrupção existente durante os anos de ditadura. Na altura, nem a imprensa nem o judiciário tinham liberdade para denunciar este tipo de crimes, que acabam por estar somente associados ao período democrático.
Um golpe militar, apesar dos apelos nesse sentido, não é hoje nada provável, e os militares podem chegar ao poder pela via eleitoral, como o próprio Bolsonaro tem dito. Este caminho tem sido facilitado pelas opções de Temer, que tem vindo a delegar poder nos militares em questões como as da segurança no Rio ou a greve dos caminhoneiros.
Mesmo na prisão, Lula continua a liderar as sondagens para a primeira volta das presidenciais. A sua libertação poderia criar uma dinâmica de vitória no segundo turno, mas para já Bolsonaro tem mais intenções de votos para o segundo turno que todos os candidatos anunciados. Há quem pense que o mais provável é que o início da campanha esvazie a candidatura de Bolsonaro, que a disputa deverá centrar-se entre um candidato do centro-direita, como Geraldo Alckmin, e um candidato de centro-esquerda, como Ciro Gomes. Poderá ser assim, mas para isso é preciso levar muito a sério a ameaça da extrema-direita à democracia brasileira.
Bolsonaro só será derrotado se a sociedade civil e os partidos democráticos acreditarem que pode mesmo ser eleito e vencerem as suas graves divisões para o combater. As grandes manifestações populares de 2013 mostram que existe uma sociedade civil brasileira forte, cuja mobilização é essencial para repor o Brasil no caminho da legitimidade democrática e da justiça social.
Coordenador do livro Brasil nas Ondas do Mundo