Bastonário da Ordem dos Médicos abandona órgão consultivo do Governo

Cansado de esperar pela demissão do presidente do Conselho Nacional de Saúde, que pediu em Novembro passado, o bastonário da Ordem dos Médicos decidiu abandonar este órgão consultivo do Governo.

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Enric Vives-Rubio

O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) pediu a demissão do cargo que ocupa no Conselho Nacional de Saúde (CNS), um órgão independente, consultivo do Governo, que visa assegurar a participação dos cidadãos na definição de políticas de saúde em Portugal. Miguel Guimarães avisa que, se nada acontecer entretanto, "a medicina deixará de estar representada” neste conselho, que foi criado em 2016.

Depois de ter pedido em Novembro passado, sem sucesso, a demissão do presidente do CNS, Jorge Simões, o bastonário Miguel Guimarães decidiu agora comunicar ao ministro da Saúde que renuncia ao cargo que ocupa no conselho em que estão representadas três dezenas de entidades, nomeadamente as sete ordens profissionais da saúde e várias associações de doentes.

A polémica começou depois de Jorge Simões, ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), ter afirmado, numa entrevista à Antena 1, em Outubro, que em Portugal há um rácio inadequado de médicos e enfermeiros (a média dos países da OCDE é de um médico para três enfermeiros, em Portugal é de um para 1,4) e de ter defendido que muitas das tarefas feitas pelos primeiros poderiam ser desempenhadas pelos segundos e até por outros profissionais de saúde, nomeadamente “farmacêuticos e paramédicos”.

"As afirmações do presidente do Conselho Nacional de Saúde são ostensivamente graves. Não respeitam os médicos nem valorizam o trabalho notável que têm feito pelo SNS e pelo país", reagiu então Miguel Guimarães, que ameaçou logo que, caso Jorge Simões se mantivesse à frente do CNS, a Ordem dos Médicos “provavelmente” abandonaria aquele órgão.

A ameaça concretizou-se agora, com o envio de uma carta ao ministro da Saúde. Miguel Guimarães confirmou ao PÚBLICO que mandou há dias “uma carta pessoal” ao ministro em que afirma que vai sair do CNS. “Esta já é a segunda carta que envio ao ministro por este motivo. A Ordem não se sente confortável num órgão que é presidido por alguém que já demonstrou que não é independente” e que “não gosta de médicos”, justifica.

Assim, enfatiza Miguel Guimarães, “a medicina deixará de estar representada” no CNS. “Este é um assunto fracturante”, considera o bastonário, que volta a defender que as declarações de Jorge Simões são “ofensivas para os médicos” e que o ex-presidente da ERS “desvalorizou a medicina, quando aludiu a transferência de tarefas”, dando o exemplo do que se passa noutros países, como o Reino Unido e o Canadá. “O que existe em Inglaterra é a delegação de competências profissionais. Sou o maior defensor do trabalho em equipa, mas tem que haver coordenação e liderança”, afirma.

Em comunicado enviado ao PÚBLICO, o CNS “lamenta profundamente” a decisão da Ordem dos Médicos de abandonar o lugar de membro, afirmando que “esta opção exclui a perspectiva de um grupo profissional central na organização dos serviços e cuidados de saúde, empobrecendo o debate e a pluralidade de ideias”.

O conselho considera, no entanto, “falso” que Jorge Simões tenha “dito ou insinuado que o sistema de saúde precisa de profissionais não médicos ‘para praticarem actos médicos’, e que tenha transmitido ‘a ideia de que a medicina pode ser feita por qualquer pessoa’”.

Pelo contrário, o CNS afirma que as ideias referidas pelo seu presidente são apoiadas “há décadas” por estudos de instituições como a Organização Mundial de Saúde, o Tribunal de Contas e a Fundação Calouste Gulbenkian. “O próprio programa do actual Governo afirma que ‘para a defesa do SNS é fundamental aperfeiçoar a gestão dos seus recursos humanos (…), promovendo novos modelos de cooperação e repartição de responsabilidades entre as diferentes profissões de saúde’”, lê-se no comunicado.

Ministério não comenta

O CNS nota ainda que, sendo o bastonário dos médicos seu membro, “seria curial um contacto pessoal” para pedir explicações ou “qualquer outra iniciativa que não fragilizasse um órgão que está a dar os seus primeiros passos”.

O PÚBLICO apurou entretanto que não poderá ser o ministro da Saúde a decidir sobre esta matéria, uma vez que é a Ordem dos Médicos que está representada no CNS e não o bastonário a título individual. Por isso, caso Miguel Guimarães persista na intenção de renunciar ao cargo, a OM deverá passar a ser representada pelo suplente já nomeado ou por outra pessoa indicada para o substituir. De resto, do ponto de vista legal, a cessação ou perda de mandato será deliberada pelo próprio Conselho Nacional de Saúde, depois de ouvir o bastonário.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Saúde não se quis pronunciar sobre este assunto.

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