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Angola e a francofonia

Embora ninguém o queira admitir, encontramo-nos claramente de costas voltadas em matéria de concertação político-diplomática.

O Presidente de Angola, João Lourenço, manifestou em Paris o interesse de Angola em ser membro da Organização Internacional da Francofonia (OIF) e recebeu o apoio imediato do seu homólogo francês, Emmanuel Macron.

A OIF é uma organização internacional que promove a língua francesa e a cooperação entre os 84 Estados-membros e membros observadores que a integram. Emmanuel Macron declarou-se "muito sensível" ao interesse de João Lourenço e agradeceu-lhe por “ter escolhido a França como primeiro destino na Europa desde a sua eleição”.

A França constituiu a primeira visita oficial de João Lourenço a um país da Europa, depois de ter realizado um périplo por vários países africanos, tais como a África do Sul, a República Democrática do Congo, a Zâmbia e a Namíbia, desde que foi empossado como terceiro Presidente da República de Angola, em setembro do ano passado.

A questão da adesão de Angola ao universo da francofonia não é de hoje, mas sim de, pelo menos, 2015, quando Charles Delogne, porta-voz da Organização Internacional da Francofonia em Angola, afirmou o compromisso da dita organização em apoiar a educação, a formação, o ensino superior e a investigação na antiga colónia portuguesa.

O apoio à educação e à investigação não devia provir da OIF mas, sim, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A eleição de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas permitiu suscitar a esperança da internacionalização, em definitivo, da língua portuguesa, parecendo ser essa internacionalização o melhor veículo para impulsionar a CPLP, constituída na Cimeira de Lisboa a 17 de Julho de 1996, estando na altura Portugal representado pelos então Presidente da República, Jorge Sampaio, e primeiro-ministro, António Guterres, e sendo um dos principais objetivos daquela organização a promoção e difusão da língua portuguesa.

Passados 20 anos, a CPLP tem um desempenho ainda titubeante, mercê de antagonismos e desconfianças várias, veja-se, por exemplo, a falta de cooperação na justiça, com guerras intestinas entre instituições importantes dos Estados-membros, designadamente as respetivas procuradorias, como foi o caso do processo de Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola.

Embora ninguém o queira admitir, encontramo-nos claramente de costas voltadas em matéria de concertação político-diplomática. Assim, e para que se possa fazer uma ideia do ponto em que atualmente se encontra a questão da francofonia entre os países da CPLP, dos nove membros de pleno direito (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste), quatro são membros permanentes da OIF (Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe), um é membro-observador (Moçambique, de tradição inglesa) e agora Angola, que se candidata a membro permanente.

A vontade de adesão de Luanda à francofonia deveria merecer, em meu entender, uma análise muito cuidada por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nomeadamente sobre o papel da CPLP, e, naturalmente, sobre o papel até aqui desempenhado pela própria língua portuguesa, o qual, se queremos que sobreviva, tem de ser analisado segundo um prisma diametralmente oposto ao atual.

Agora que a concorrência parece ser de respeito, talvez convenha lembrar aos mais esquecidos que a França de Giscard d’Estaing foi, em Fevereiro de 1976, o primeiro país da então CEE a reconhecer Angola. É inegável que a pátria de Balzac soube ver longe...

Se Angola hoje quer aderir à francofonia é porque, pelo menos até 1974, o ensino do Francês constituía disciplina obrigatória durante cinco anos nos cursos liceais (até ao antigo 5.º Ano), donde naturalmente provêm os altos quadros do regime angolano. Inútil referir que o ensino da língua francesa, até à referida data de 1974, correu sempre mais por conta do Ministério da Educação de Portugal e não tanto pela Alliance Française ou pelo Institut Français, a primeira criada só em 1960, ou pelo Liceu Francês “Alioune Blondin Beye” de Luanda, este fundado já muito depois da independência, em 1980.

A realidade de hoje, como se vê, não se afigura nada animadora, pois nem sequer no ensino do português estamos verdadeiramente empenhados. Os professores, nas escolas, são escassos, e não existem centros culturais em suficiente quantidade que permita a difusão da nossa língua e da nossa cultura. A língua portuguesa não arrisca aventurar-se fora dos grandes centros urbanos e, por exemplo, no interior da Guiné ou de Moçambique, fala-se as línguas nativas. Nas aldeias destes e doutros países por onde andámos cinco séculos ninguém fala português.

A ametropia vigente é responsável por um sucessivo número de estrangulamentos que inviabiliza, mesmo com Guterres nas Nações Unidas, o tão desejado salto qualitativo da difusão da língua portuguesa.

O saudoso Vasco Graça Moura nunca viu com bons olhos a CPLP e sempre foi frontal e muito crítico em relação a ela. Qualificou-a como uma "espécie de fantasma que não serve para rigorosamente nada, que só serve para empatar e ocupar gente desocupada". A CPLP era, para o autor de Os nossos tristes assuntos, o “Clube das Pantominas da Língua Portuguesa”.

Esperemos, para bem da CPLP, que Vasco Graça Moura não tenha sido profético.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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