Jornalista russo crítico de Putin dado como morto em Kiev está vivo
Arkadi Babchenko não foi abatido com três tiros nas costas quando saía de casa, ao contrário do que foi dito por Kiev. Tudo não passou de um plano encenado pelas autoridades.
A história surgiu pela manhã cedo, nesta quarta-feira: o jornalista russo Arkadi Babchenko teria sido assassinado em Kiev, na Ucrânia, com três tiros nas costas. Eram dados bastantes detalhes: fora atingido mortalmente quando tinha saído de casa para ir comprar pão. Babchenko era um crítico do Presidente Vladimir Putin e tinha sido forçado a mudar-se para Kiev, na Ucrânia, em 2017, depois de receber ameaças de morte. Todos os jornais do mundo – PÚBLICO incluído – deram a notícia. Um senão: a morte tinha sido encenada pelo próprio, em colaboração com as autoridades da Ucrânia, no âmbito de uma investigação policial em torno das ameaças de morte de que era alvo. A verdade do caso – que suscitou muitas reacções negativas para o Kremlin, colocado sob suspeita de ter estado envolvido na suposta morte de Babchenko – foi revelada esta tarde, horas depois de a morte do jornalista ter sido noticiada.
Como referido, de Kiev saíram muitos detalhes sobre o alegado assassinato. Por exemplo, o de que o jornalista, de 41 anos, tinha sido encontrado pela mulher, a sangrar, à entrada do apartamento de ambos. Ou que Babchenko morrera na ambulância, a caminho do hospital. Mas tudo fazia parte do plano das autoridades e nada disto era verdade.
Babchenko foi recrutado para combater nas guerras da Tchechénia, onde morreram dezenas de milhares de pessoas, tanto russos como tchechenos. Passou a escrito as memórias da participação dele nessa guerra, participou como candidato numas eleições não oficiais organizadas pela oposição em 2012, diz a BBC e denunciou as acções da Rússia na Ucrânia Oriental e na Síria – o que acabou por levar à fuga dele da Rússia, em Fevereiro de 2017. Foi alvo de ameaças de morte e os críticos consideravam-no "não patriótico". Quando deixou o país natal, explicou as razões dessa decisão num artigo no jornal The Guardian.
O primeiro-ministro ucraniano, Volodimir Groisman, acusou a Rússia de estar envolvida neste homicídio. “A máquina totalitária russa não lhe perdoou a honestidade dele e os princípios”, escreveu Groisman, no Facebook. Falta saber se o próprio governante foi enganado, ou se, pelo contrário, participou voluntariamente nesa encenação, acusando o governo russo de algo que não tinha acontecido.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Moscovo, Sergei Lavrov, respondeu por seu lado, que essas acusações são "parte de uma campanha para denegrir a Rússia".
Antes, o chefe da polícia de Kiev havia afirmado que as causas do assassínio não estão esclarecidas, mas disse que as “actividades profissionais e a posições cívicas” de Babchenko seriam as razões mais óbvias para o homicídio.
"When the President's envoy publicly posts a proposal about your murder."
Did anybody screenshot what he was referring to on Facebook?">
Num comentário no Facebook, o deputado ucraniano Anton Gerashchenko – que foi conselheiro do Ministério do Interior – declarou que os investigadores deveriam olhar para “os esforços que as agências de espionagem russas” têm desenvolvido para “se livrarem dos que procuram dizer a verdade sobre o que se passa na Rússia e na Ucrânia.”
Em Moscovo, alguns dirigentes e deputados criticaram as autoridades ucranianas, acusando-as de incapacidade na protecção dos jornalistas. O deputado russo Ievgeni Revenko chegou mesmo a afirmar que a “Ucrânia está a tornar-se no país mais perigoso para os jornalistas”, em comentários transmitidos pela agência estatal RIA Novosti.
Esta não teria sido a primeira vez que uma voz crítica do Kremlin era silenciada em Kiev – mas neste caso, isso não chegou a acontecer. Em Julho de 2016, outro jornalista, Pavel Sheremet, que era bielorrusso, foi morto quando o carro explodiu, no centro da cidade, num caso que continua por esclarecer. Tornou-se conhecido pela denúncia da intervenção russa na Ucrânia.
Em Abril deste ano, o jornalista de investigação russo Maxim Borodin morreu depois de ter caído do apartamento, num quinto andar de um prédio em Ecaterimburgo, em condições estranhas. No mês anterior, tinha escrito sobre a morte de um grupo de russos na Síria, mercenários ao serviço da empresa Wagner, que tem ligações ao Kremlin, num confronto com forças apoiadas pelos EUA.
Em Março de 2017, um deputado russo dissidente, Denis Voronenkov, foi morto à entrada de um hotel, tendo as autoridades ucranianas alegado que foi morto por ordem de um criminoso russo.
Notícia reformulada às 16h20: o texto foi reescrito para reflectir o facto de a notícia da morte ter feito parte de uma encenação posta em marcha pelo jornalista e as autoridades ucranianas, no âmbito de uma investigação judicial, tal como se explica neste outro artigo.