Oito mulheres acusam Morgan Freeman de assédio sexual

Actor pediu entretanto desculpas "a qualquer pessoa que se tenha sentido desconfortável ou desrespeitada". Uma das testemunhas dos alegados comportamentos resume: “É difícil porque ele é a pessoa mais poderosa em qualquer filmagem em que esteja. É estranho porque não se espera isso de Morgan Freeman".

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Mike Hutchings/REUTERS

Oito mulheres acusam o reputado actor Morgan Freeman de assédio e comportamento indevido ao longo da última década – jornalistas, assistentes de produção e funcionárias da sua produtora relatam vários casos numa investigação da CNN revelada nesta quinta-feira. O caso envolve alegadas tentativas de levantar a saia a uma jovem subordinada ou comentários lúbricos a uma repórter grávida, no que o canal televisivo considera ser um “padrão” de assédio e comportamentos inadequados. O actor não respondeu às perguntas da CNN, mas poucas horas depois da divulgação da notícia pediu desculpas "a qualquer pessoa que se tenha sentido desconfortável ou desrespeitada".

Uma jovem assistente de produção que fala sob anonimato diz que o conceituado actor lhe tocou e fez comentários repetidos sobre o seu aspecto, tendo também alegadamente tentado levantar-lhe a saia “e perguntado se estava a usar roupa interior” durante a rodagem de Ladrões Com Muito Estilo (2017), no Verão de 2015. Numa dessas ocasiões, o actor Alan Arkin estava presente e disse a Freeman para parar. “Morgan ficou assustado e não sabia o que dizer."

Outra mulher que integrava a equipa de produção do filme Mestres da Ilusão (2013) disse à CNN que ela e outras mulheres foram alvo de assédio sexual sob a forma de comentários sobre os seus corpos. “Sabíamos que se ele vinha aí não devíamos usar um top que evidenciasse o peito, nem qualquer coisa que realçasse o rabo, o que significa não usar nada justo”, cita a CNN.

O Óscar de Morgan Freeman (pelo seu papel secundário em Million Dollar Baby (2004) é simbólico do seu prestígio e do seu carisma – o actor tem 80 anos e é um dos mais requisitados nomes de Hollywood, um profissional respeitado e cuja voz grave e apreço generalizado lhe deu também o papel de narrador em vários documentários, entre os quais A História de Deus – e foi mesmo deus nas comédias Bruce Almighty e Evan Almighty. Um dos denunciantes, antigo funcionário da produtora de Freeman, que diz ter testemunhado alguns dos comportamentos do actor durante algumas filmagens, resumiu à CNN: “É difícil porque ele é a pessoa mais poderosa em qualquer filmagem em que esteja. É estranho porque simplesmente não se espera isso de Morgan Freeman, alguém que respeitamos.”

A CNN detalha que na sua investigação ouviu 16 pessoas, oito das quais dizem ter sido alvo de assédio ou comportamento indevido perpetrado por Morgan Freeman, e com as restantes a ajudar a compor “um padrão de comportamento inadequado de Freeman nas filmagens, na promoção dos seus filmes e na sua produtora, a Revelations Entertainment”. À parte desses 16 inquiridos, dezenas de outras pessoas foram ouvidas pelo canal e entre elas “algumas elogiaram Freeman”, e disseram nunca terem testemunhado qualquer comportamento inadequado.

Esta quinta-feira, na sequência da divulgação da notícia, um representante do actor forneceu uma declaração escrita de Freeman: "Qualquer pessoa que me conheça ou que tenha trabalhado comigo sabe que não sou uma pessoa que ofenda ou faça alguém sentir-se desconfortável de forma intencional. Peço desculpas a qualquer pessoa que se tenha sentido desconfortável ou desrespeitada - nunca foi minha intenção".

A mesma estação de TV descreve também que os seus jornalistas contactaram pessoas que trabalharam com o actor e questionaram-nas se tinham trabalhado com alguém que as tivesse sujeitado a comportamentos inadequados. Um nome surgia “imediatamente” da parte dos inquiridos: o de Morgan Freeman.

Desde Outubro de 2017, quando as primeiras investigações sobre Harvey Weinstein desencadearam uma vaga de denúncias e de discussão pública sobre temas como o consentimento, o assédio sexual em ambiente laboral ou nas relações sociais informais, outro dos temas que trespassou o momento #MeToo foi a questão da credibilidade. A forma como são investigados estes casos, muitas vezes isentos de um rasto burocrático ou provas físicas, baseados em códigos sociais e nos relatos unipessoais, tem-se apoiado na busca de testemunhos secundários e/ou do estabelecimento de padrões.

As publicações que divulgam alguns destes casos, de Weinstein a Kevin Spacey, têm dado a conhecer precisamente a forma como existem tanto relatos duradouros nas relações pessoais das alegadas vítimas, quanto existem redes de passagem de informação entre mulheres ou alegadas vítimas que lhes permitem identificar os supostos perpetradores ou predadores. Uma mulher que trabalhou com Freeman num filme descreve o seu olhar insistente sobre o seu peito e o facto de ele se ter encostado indevidamente a ela durante uma fotografia com a equipa, e a CNN relata como depois contou a vários colegas o sucedido. A CNN confirmou com eles que ouviram esse mesmo relato.  

Os comportamentos descritos pelas pessoas ouvidas pela CNN remontam à última década de trabalho de Freeman e outra delas refere ter sido tocada sem a sua autorização e três indicam que Morgan Freeman fez comentários sobre os corpos das mulheres com quem trabalhava e as suas roupas, sendo que nenhuma fez qualquer queixa oficial do alegado comportamento do actor por temerem represálias no acesso ao trabalho. A CNN destaca como os alegados comportamentos de Morgan Freeman terão tido lugar em público, com testemunhas presentes, como Alan Arkin ou, noutro relato, a sócia de Freeman na Revelations Entertainment, Lori McCreary, que terá também sido alvo de comentários depreciativos da parte de Freeman.

Nem McCreary, apoiante pública do momento MeToo e da iniciativa de promoção do empoderamento feminino Time’s Up, nem Freeman responderam aos pedidos de comentário e contraditório da CNN. Seis antigos funcionários da empresa disseram ter testemunhado ou sido alvo de comportamentos alegadamente “questionáveis” para com as mulheres, com “comentários sexuais” ou toques.

Uma delas viu-se rodeada por Freeman e outros homens nas filmagens de Through the Wormhole quando o conheceu e ele lhe perguntou “O que é que achas do assédio sexual?”. E depois, conta a mulher que lhe respondeu “de forma sarcástica ‘Adoro’”, ele ter-se-á virado para o resto dos homens e dito: “Estão a ver? É assim que se faz”. Várias mulheres ouvidas pelo canal relatam como alteravam a forma como se vestiam e tentavam evitar o actor devido a esse alegado assédio.

A CNN acrescenta que três jornalistas descreveram também comentários inadequados de Freeman em situações de trabalho, uma das quais uma repórter da própria estação, Chloe Melas, que Freeman confrontou quando grávida de seis meses e a quem disse, com as câmaras a rodar enquanto olhava para o seu corpo, “quem me dera estar aí” - a frase está gravada em vídeo; uma outra alegada tirada, sobre quão "madura" estava, não está. Melas reportou a situação aos recursos humanos da CNN, do estúdio que promovia o filme Ladrões Com Muito Estilo, a Warner, mas o caso não avançou e ela afastou-se da cobertura do filme. Melas é uma das jornalistas que assinam a notícia da CNN e começou a investigar o caso ao tentar perceber se existiria um comportamento padrão.

Três pessoas descreveram outra história, que reporta acontecimentos que terão tido lugar na festa dos 79 anos de Freeman, organizada pela produtora. Os empregados foram organizados num círculo e apresentavam-se a Freeman. O actor e patrão aproximava-se das funcionárias e ficava a uma distância mínima delas, olhando-as de alto abaixo, por vezes andando à sua volta num círculo. “Havia um subtexto sexual”, diz uma das alegadas testemunhas, argumentista na série Madam Secretary.

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