25 de Abril (nem) sempre

Quando saio à rua, já não encontro em cada esquina um amigo. Isto porque estão todos enclausurados num "open space" com a "closed mouth" para não perderem o salário que lhes permite equilibrarem-se na corda da dignidade

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Ana Melo

Sou um filho de Abril. Não do mês nem do ano, mas do Capitão. Sim, tenho o privilégio de descender de alguém que ousou escrever nas páginas da história de Portugal. Alguém que sonhou com uma sociedade mais livre e justa. Alguém que não se restringiu ao queixume, que tanto caracteriza a nossa gente, e arriscou pelo bem comum. Entregou-se de tal forma que chegou a estar preso. Pelos vistos, naquela altura, já era perigoso pensar de forma diferente. Porém, eu não estava lá. Àquela data, ainda faltavam 15 anos para eu soltar o meu primeiro choro. No entanto, crescer junto de uma das personagens do meu livro de história deu-me uma perspectiva nítida do que foi e do que poderia ter sido aquele fim de Abril.

Estamos agora em 2018 e, por esta altura, cerca de 52% dos portugueses já nasceram no pós 25 de Abril. Isto quer dizer que mais de metade de nós não faz a mínima ideia do que é viver num estado ditatorial. Pelos menos, em teoria deveria ser assim. Mas será que é mesmo? Não será esta democracia uma ditadura mais colorida? Quando a liberdade é muita...

Emma Goldman, escritora e activista lituana, afirmou que se votar fizesse alguma diferença seria ilegal. Atenção, isto não é nenhum apelo à abstenção nem ao voto em branco (mas podia ser). Contudo, se virmos bem, será que é o povo quem mais ordena quando apenas é chamado a participar de quatro em quatro anos? E, enquanto isso, há um outro “povo” que se expressa todos os dias anaforicamente nos meios de comunicação? Não me faz muito sentido. Quando saio à rua, já não encontro em cada esquina um amigo. Isto porque estão todos enclausurados num open space com a closed mouth para não perderem o salário que lhes permite equilibrarem-se na corda da dignidade. Também já não encontro em cada rosto, igualdade. Ora, não fossem os 2,5 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar de pobreza sem acesso a uma vida justa. Pelos vistos, continuam a comer tudo e a não deixar nada, mas desta vez de uma forma democrática. Será possível? Nem à sombra de uma azinheira me consigo pôr para refrescar as ideias, ora não tivessem ardido 506 mil hectares em Portugal só no ano passado. Responsáveis? Ninguém. Culpados? Todos.

De que nos serve ter liberdade de expressão se, por um lado, nos deixam falar, mas não deixam que ninguém nos oiça e, por outro lado, as opiniões dos comentadores se propagam à velocidade da ignorância? Serve de muito pouco, na minha opinião. A pior prisão continua a ser aquela em que não vemos os muros. “Se vivemos em democracia, para quê fazer uma revolução?” O pior inimigo continua a ser aquele cujo rosto não conhecemos. Desta vez, não temos nenhum Salazar nem Marcelo Caetano a quem possamos apontar a nossa ira reprimida. Estamos a jogar à cabra cega com os mercados, agências de rating e capitalismo. Andamos às voltas e ninguém sabe quem são, mas todos se vergam subservientemente. Somos livres de escolher de que forma somos explorados. Será esta a liberdade que conquistámos?

Há 44 anos, deu-se uma revolução política. Não foi suficiente. Enquanto cada um de nós não revolucionar a sua consciência, iremos continuar a saltar de regime em regime e, por sua vez, a ser encurralados entre a opressão e a mudança. Será que todos nós estamos dispostos a ser livres? Será que estamos aptos a ser responsáveis pelas nossas vidas? A culpa, antes de ser do sistema, é nossa. Provavelmente, muitos de nós, numa posição de poder, não faríamos diferente de quem lá está. E é aí, na minha opinião, que reside o problema. Todos somos cúmplices, ou por opção ou por omissão.

Infelizmente, Salgueiro Maia continua a ter razão. Continuam a existir os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Partir dele depende mais de nós do que imaginamos.

Pai, conta comigo.

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