O vice-presidente do CDS-PP e o “não assunto”

Se foi um acto de coragem assumir a sua orientação sexual? Considero que foi. É claro que o caminho já foi sendo aberto por outros actos mais corajosos. Nas palavras do próprio, “houve muita gente que precisou de uma coragem infinitamente superior para hoje uma pessoa poder estar confortável com a sua orientação sexual”

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Martin Henrik

E o “não assunto” do fim-de-semana em Portugal prende-se com uma entrevista dada pelo vice-presidente do CDS-PP e, faço questão de o lembrar, vereador na Covilhã, Adolfo Mesquita Nunes, ao jornal Expresso. Naquilo que é intitulado “uma entrevista de vida”, o vereador aceitou falar da sua orientação sexual e assumiu a homossexualidade. A verdade é que não é a primeira vez que Mesquita Nunes fala sobre o assunto — e nem é a primeira vez em que sua homossexualidade é abordada. Durante a campanha para as autárquicas, na Covilhã, e partindo de um cartaz “vandalizado” em que aparecia a palavra gay, o assunto já tinha sido mencionado pelo candidato num discurso que, mais tarde, foi partilhado pelo próprio no Facebook. Será de facto um “não assunto”? Vejamos.

É um "não assunto", ainda que muito comentado, porque a orientação sexual do vice-presidente do CDS-PP e vereador da Covilhã em nada interfere com a sua competência política. Aquilo que faz parte da índole privada de cada um deve ser isso mesmo: da índole privada. Ser homossexual, heterossexual, bissexual ou o que quer que seja não coloca em causa a competência e o profissionalismo de ninguém, em qualquer tipo de profissão. Ainda assim, e numa entrevista de vida, houve necessidade de falar disso.

É um “não assunto”, mas muito partilhado e comentado nas redes sociais, uma vez que neste país é sempre necessária uma grande dose de coragem para falar, de forma livre, sobre assuntos que ainda são mencionados à boca pequena. Daí, eventualmente, o destaque dado ao “não assunto”. E neste momento não faltarão pessoas que, ao ler estas palavras, me dirão: "Isto são comentários do século passado!", "Hoje em dia cada um assume a orientação sexual que pretende assumir e ninguém tem nada a ver com isso!". Mas a verdade é que tal é falso. Como acima referi, e aquando da campanha para as eleições autárquicas, achou-se pertinente escrever num cartaz que exibia o rosto de Mesquita Nunes a palavra “gay”, como se de um insulto se tratasse, colocando o “suposto insulto” ao mesmo nível de um insulto como “corrupto”, “ladrão” ou “desonesto”.

É um “não assunto” e ainda assim muitos irão falar sobre ele, insurgindo-se contra esta informação sobre a sua vida pessoal. Haveria efectivamente necessidade de falar disto? Porque neste país somos sempre, e usando uma expressão bem popular, “presos por ter cão e presos por não ter”. O que quero dizer com isto é que, não falando desse pormenor da sua escolha sexual, muitos seriam aqueles a dizer “esse senhor não se assume”, “continua na idade do armário”, “é claríssimo para todos que ele é gay e não se assumindo põe em causa a própria luta” e outras coisas do género. Mas, tendo falado, já se vão ouvindo as críticas acerca desta exibição pública da sua sexualidade e da não necessidade de o fazer e, ainda, que a mesma terá sido feita com o intuito de colher alguns dividendos a nível político.

Por fim, é um “não assunto” apesar de ser esse um dos grandes destaques de toda uma entrevista em que foram ditas coisas bem mais interessantes e importantes. Contudo, os jornalistas sabem bem quais os temas que “vendem” em Portugal e daí o destaque dado à questão.

Concluindo: é um “não assunto” que foi um dos assuntos (e peço desculpa pela redundância) mais comentados este fim-de-semana.

E, sendo um “não assunto”, porque venho eu tecer estas palavras à volta desta entrevista? A explicação é simples: Porque aprecio a pessoa que o Mesquita Nunes demonstra ser.

Aprecio um político que tem os pés bem assentes na terra e que assume as lutas de peito aberto. Aprecio uma pessoa que pensa o que diz mas que, acima de tudo, diz o que pensa, ainda que esse pensamento possa ir contra alguns dos ideais do partido pelo qual ele milita. Aprecio uma pessoa que fala com coragem, sem esconder algo que já devia ser aceite de forma comum numa sociedade do século XXI, mas ainda não o é.

Se foi um acto de coragem assumir a sua orientação sexual? Considero que foi. É claro que o caminho já foi sendo aberto por outros actos mais corajosos. Nas palavras do próprio, “houve muita gente que precisou de uma coragem infinitamente superior para hoje uma pessoa poder estar confortável com a sua orientação sexual”. Ainda assim, por ser um político, para mais de um partido de direita, sempre tão conservador, por ser vereador na câmara da Covilhã — quer se queira, quer não, o interior continua a demonstrar-se algo conservador com respeito a assuntos como os da orientação sexual —, considero que terá sido necessária alguma coragem para o assumir.

Quanto a mim, foi mais um acto que comprovou a sua inteligência: falou do caso naturalmente, sem preconceitos, assumindo-o com a naturalidade que ele merece. Assumida essa verdade que, de facto, pouco adianta ao político e ao profissional, podemos então seguir em frente prestando atenção ao que realmente importa que é a sua prestação nos cargos que ocupa.

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