Quantos de nós, de quando em vez, não reservamos um tempinho para ir jantar fora? Ou para almoçar. De facto, muitos de nós, portugueses, só estamos bem é a comer ou a falar de comida. Mas mais do que aquilo que comemos ou saboreamos, trata-se daqueles que nos põem o prato na mesa. São tantos e tão variados. Somos tão bons em tanta coisa: na Eurovisão, no futebol, na gastronomia… na arte de servir à mesa. Atrevo-me a dizer que temos os melhores empregados de mesa do mundo.
Comecemos esta aventura com o chico-esperto. Um clássico, o contador de histórias e de piadas antigas. Apanhamo-lo sempre que a pergunta “Queria? Já não quer?” nos chega aos ouvidos. Não temos resposta mais clara ou espontânea do que um sorriso silencioso de quem por dentro pensa: “Tirem-me daqui”.
Ainda falando em contador de histórias, de certeza que já nos cruzámos muitas vezes com o "amigo do cliente". O empregado que se senta à mesa connosco, que nos conhece, que pergunta pela mulher e pelos filhos. É considerado por muitos um homem impróprio. Contém algum excesso de confiança, uma vez que já pedimos a conta, os miúdos já dormem e ele continua a falar sobre a sua performance no Ultramar.
Estaríamos esquecidos se não referíssemos o empregado que nos dá aquilo que não pedimos. A nossa cerveja está a acabar e numa questão de milésimos de segundo temos outra à nossa frente. Nunca a pedimos, mas vamos pagá-la. Isso é certo. Não fosse ele amigo do chico-esperto. Quem diz cerveja, diz pão torrado.
Há quem seja um artista na maneira como serve mas um incompreendido na maneira como fala. Veja-se o caso do empregado que está com a ementa na mão pronta a ser entregue mas faz questão de a dizer em voz alta. Não se percebe se o que diz é o que está no menu ou é um simples desabafo de alguém que experimentou licor de poejo a mais antes de ir trabalhar.
Quantos de nós não presenciámos já a verdadeira essência do taberneiro? Com muito respeito pelo taberneiro, existe em qualquer tasca verdadeiramente portuguesa. E é uma maravilha. Fala alto, apalpa a empregada — que por acaso é sua mulher — e grita para a cozinha. Vem com o dedo dentro do prato pronto a servir, tem a caneta na orelha e o papel onde aponta o pedido tem nódoas de vinho. Normalmente não fazemos caso porque se trata de um jantar de amigos onde nós próprios demonstramos ser capazes de atingir um nível de labreguice muito superior à do empregado. Faz parte de nós. Se à verdadeira e recôndita tasca decidirmos ir, saberemos rapidamente o que nos espera. Acaba por ser uma clientela bastante homogénea.
Para terminar: aquele que finge não ouvir. Chamamos, não ouve. Berramos, não ouve. Pedimos o prato número um, traz-nos o número sete. Chamamos à atenção, não ouve. Pedimos a conta, não ouve. Despedimo-nos, não ouve. Não sabemos se é de propósito ou se há ali de facto alguma dificuldade auditiva. Mas sempre que saímos do restaurante e tocamos no assunto desabafando para o grupo “Este gajo só pode ser surdo”, ele manda-nos rapidamente para o local de onde chegámos a este mundo. Porque é assim que nos entendemos.
Porque é assim que eles são. Porque é assim que gostamos deles.